Entrevista

Confira entrevista com o brasileiro Tulio Adriano, principal designer do RPG “Pier Solar”

por Márcio Alexsandro Pacheco

Se você é fã dos saudosos RPGs oldschool dos 16 Bits como “Phantasy Star“, “Chrono Trigger” e “Lunar The Silver Star“, certamente já deve ter ouvido falar do game “Pier Solar“, lançado em 2010 para o Mega Drive (em formato cartucho, com caixa, manual e tudo!), com o enfoque de trazer toda a nostalgia dos velhos tempos para a modernidade – e sejamos sinceros, não se fazem mais RPGs como antigamente!

E se você acha que o bom e velho Megão não tem mais gás para competir com os games ultra modenos, pode mudar de ideia: “Pier Solar” vendeu mais de 6.000 cópias, o que se tratando de um sistema aposentado com mais de 25 anos, é bastante impressionante. O sucesso do game foi tão grande que logo o projeto, que começou como um hobby entre amigos para depois virar coisa séria, chamou a atenção das gigantes Sony, Nintendo e Microsoft (com um empurrãozinho do site de financiamento coletivo Kickstarter) e agora recebe versões em alta definição para os sistemas PC (Steam), PS3, PS4, esses três lançados hoje (30) e já disponível para download para os fãs (por US$ 14,99 na PSN americana e R$ 30,99 na brasileira). Em breve versões para o Wii U e Xbox One também estarão disponíveis.

Para quem não sabe, “Pier Solar” tem como um dos principais designers o brasileiro Tulio Adriano, que conversou conosco e contou como tudo começou e como foi a experiência de entrar no mundo de desenvolvimento de jogos para videogames. Uma longa jornada que nem todos chegam a concluir, mas certamente a história do Tulio possui um final feliz, assim como todo bom RPG oldschool!

Confira abaixo a entrevista exclusiva:

ENTREVISTA

Gamehall – Primeiramente gostaríamos de agradecer pelo seu tempo para essa entrevista. Acho que podemos começar com você fazendo a sua apresentação para os nossos leitores?

R: Obrigado Márcio. Tenho 34 anos, trabalho com computação há 17 anos. Tudo começou em 1995 quando voltando pra casa da escola eu disse a dois amigos meus que um dia eu faria um jogo para o Sega CD. Na época aquelas palavras soavam como sonho impossível mas eu me fixei no objetivo e fui em frente com o curso de Processamento de Dados. Quando me formei consegui um estágio, depois emprego como programador. Desenvolvia aplicações de negócios para desktop, e depois para web quando essa se firmou no Brasil. Fiquei por 16 anos trabalhando na indústria, somente no princípio de 2013 passando a me dedicar inteiramente à WaterMelon [* empresa de games criada pelo Tulio].

GH – Agora nos fale da sua vida gamer. Como ela começou, quais jogos e consoles te marcaram?

R: Lembro como se fosse ontem… 1985, quando eu tinha apenas cinco anos… meu pai trouxe uma caixa cinza com um logotipo inconfundível: ATARI. Era o clássico Atari 2600, onde tudo começou. O acesso ao videogame era restrito: só podia jogar durante as férias da escola e por um período limitado a cada dia. “Até a caixinha esquentar” – era o que meu pai dizia – “senão vai queimar o videogame“. Videogame era como a gente chamava naquela época… não existiam competidores, portanto videogame era o sinônimo de Atari 2600. De todo o tempo que pude jogá-lo, a maior parte passava no River Raid, Enduro, Air Sea Battle, Atlantis, Video Pinball e um dos meus favoritos: Raiders of the Lost Ark, o jogo do Indiana Jones (que na época não constava no jogo pois Indiana Jones ainda não era uma franquia, era só um filme). Aquele jogo sempre me intrigou, porque não fazia sentido nehum (pelo menos pra quem tinha a minha idade). Precisava dos dois controles pois como o Atari só tinha um botão, usava o segundo controle para selecionar itens. O botão do controle principal usava o item, e o botão do outro controle removia o item. Eu acho que é um dos primeiros RPGs ou pelo menos um Adventure, mas sem diálogos, ficava pro jogador ter que decifrar tudo, o que era muito difícil dado aos gráficos extremamente limitados. Enfim… aquele jogo foi precursor do que viria pra mim a seguir… Master System… sim. Graças ao domínio da TecToy no Brasil meu relacionamento com a Sega começou cedo. Já era 1991, quando comecei a jogar o Master System do meu saudoso vizinho Rodrigo, que Deus o tenha. Ele era da minha idade e nos dávamos muito bem. Foi com ele que eu finalmente aprendi a jogar o Alex Kidd e comecei a admirar aquele console que tinha gráficos incríveis mas acima de tudo, tinha música. Aquilo foi muito marcante para mim e me apaixonei completamente, e embora eu não tinha um Master System, jogava sempre que podia na casa do meu vizinho e de um primo meu. Foi com o Master System que tive contato com o primeiro RPG que joguei, que foi o Phantasy Star. A TecToy fez um grande trabalho traduzindo o jogo para português o que facilitou muito jogá-lo na época. Em 1993 ganhei o meu primeiro videogame moderno, o Mega Drive. Foi dalí que vieram as minhas maiores influências, afinal, depois do Phantasy Star eu só queria jogar RPG, e joguei vários no Mega… Phantasy Star II, Phantasy Star III e Phantasy Star IV, Shining Force II, Landstalker, depois veio o Sega CD com Lunar the Silver Star, Lunar Eternal Blue, Popful Mail, Vay, Snatcher… quantos jogos bacanas. E embora eu nunca tive o SNES, um vizinho que tinha, às vezes trocava comigo, foi assim que eu joguei The Legend of Zelda: A link to the Past e Chrono Trigger. Joguei também o Final Fantasy VI, mas depois de Chrono Trigger nenhum jogo do SNES podia chegar à altura. Depois disso, vieram os consoles de CD, Saturn com grandes RPGs também e o Dreamcast que teve uma vida curta. Fiquei muito tempo afastado dos consoles novos até a geração passada. Embora tenham muitos jogos e RPGs bons, não marcaram tanto.

com 64 megabits, “Pier Solar” é RPG indie para Mega Drive feito por brasileiro

GH – Como começou o projeto de Pier Solar? Quantas pessoas estão envolvidas? Qual o seu papel na produção do jogo?

R: Eram 3 pessoas inicialmente, depois outras foram se juntando. Na realidade acho que mais de 100 pessoas passaram pelo Pier Solar desde o princípio como Tavern RPG no fórum do extinto Eidolon’s Inn. Era um projeto de hobby que seria um RPG com os membros do fórum como personagens. Com o passar do tempo, gente entra e sai, chegou um ponto que vimos que atrelar a estória ao fórum seria um grande limitador de audiência, assim decidimos refazer a estória para algo completamente novo, e o nome mudou para Pier Solar. O jogo era para Sega CD inicialmente, pois assim qualquer um poderia gravar em CD-R e jogar direto no videogame, mas deu tanto problema quando começamos a testar no hardware que abandonamos o Sega CD e passamos para cartucho que era algo que já dominávamos muito melhor. Assim, fabricamos os cartuchos e o jogo foi sucesso em vendas. Eu fiz de tudo no projeto… escrever a estória, programar, fazer música, efeitos sonoros, gráficos, gerenciar a equipe e muito mais.

GH – O console escolhido para estrear o game foi o Mega Drive, você tem alguma história especial com ele? Vocês chegaram a contactar a Sega sobre o jogo? Se sim, qual foi a reação deles?

R: Bom, como contei no testamento acima o Mega Drive sempre foi muito especial para mim e é um dos meus favoritos. Nos entramos em contato com a Sega sim, arrumei uma japonesa e ligamos para a Sega do Japão para tentar conseguir autorização de utilizar o logo na caixa para efeitos cosméticos e também para conseguir uma licença oficial, mas a Sega nem tem mais conhecimento do que é o Mega Drive, e essencialmente nos deram uma resposta agradecendo o contato direto e dizendo que não podiam fazer nada por nós, mas que não iriam interferir no lançamento do jogo.

GH – O cartucho de Pier Solar possui 64 Mb (a maioria dos jogos do console possuíam 8 Mb ou 16 Mb), algo que nem a própria Sega fez na época. Você acha que atingiu os limites do console, ou é possível ir além ainda?

R: É possível ir além sim. O Mega Drive é um sistema muito versátil e fácil de usar, não é a toa que tem tantos fãs e projetos caseiros até hoje.

GH – O jogo foi lançado em 2010 para Mega Drive, na forma de cartucho, com caixa e manual. Tudo isso (sem falar a produção) deve ter gerado muitas despesas, as vendas do jogo conseguiram pagar os gastos? Quantas cópias foram vendidas? Quem quiser comprar agora, ainda é possível?

R: Deu trabalho demais e muita despesa. Mais despesa do que renda com as vendas do jogo, pois vendemos à preço de custo na época… uma atitude de “compensação” pois o jogo de Sega CD era pra ter sido gratuito, porém um erro contábil horrível pois não consideramos que haviam muito mais coisas envolvidas na produção de um jogo do que simplesmente a fabricação. Foi depois do lançamento que fabricamos a versão reprint o que permitiu recuperar o prejuízo. Vendemos mais de 6.000 cópias. Para comprar agora, só é possível via pré-venda no site da Magical Game Factory.

GH – Como foi criado o conceito do jogo, a história, personagens, trilha sonora, as mecânicas oldschool? Podemos perceber algumas influências de clássicos como “Lunar” e “Chrono Trigger”, quais foram as principais influências que o jogo teve?

R: Todos esses jogos influenciaram sim, e também os que citei anteriormente. Foi um esforço coletivo entre os membros do projeto cada um dando suas ideias e aos poucos compilando os aspectos do jogo. Eu escrevi a trama, e a partir daí outras pessoas a desenvolveram em um script completo. A parte da mecânica do jogo é dividida em duas partes, a engine que processa o jogo em tempo real e as ferramentas de conteúdo que alimentam os parâmetros do jogo. Eu e algumas pessoas passamos inúmeras horas entrando esses parâmetros, enquanto o meu sócio, conhecido na net como Fonzie, fazia os ajustes da engine. Um processo longo e trabalhoso mas que valeu a pena cada minuto.

GH – Você e a sua equipe já tinham alguma experiência com a produção de jogos? Como foi começar um projeto ambicioso a partir do zero? Quais foram as maiores dificuldades?

R: Ninguém tinha experiência profissional com o desenvolvimento de jogos, eu trabalhava com programação de sistemas mas há um abismo entre os métodos de programar, acho que por isso o Fonzie ficou com a engine e eu fiquei com as ferramentas de conteúdo. A maior dificuldade, tirando alguns obstáculos tentando compreender o hardware sem o suporte da Sega foi o entra e sai de gente que é o processo normal de projetos com voluntários. Isso sempre atrapalhava, pois quanto mais adiantado o projeto mais difícil fica de introduzir um novato à nossa forma de trabalho. Mas apesar de tudo no final deu certo.

GH – Você acha que desenvolvedores brasileiros têm chances de competir no mercado de games, que é dominado por americanos e japoneses principalmente?

R: Claro que sim. Somos um povo muito criativo e esforçado, e acima de tudo, somos gente como eles também são. Não há nenhum obstáculo senão nós mesmos. Creio que podíamos ter muito mais espaço no mercado de consoles mas me parece que os desenvolvedores brasileiros ainda estão muito focados em PC e celulares. Talvez haja uma barreira psicológica de achar que consoles são difíceis de entrar e por isso muita gente nem tenta. Pela minha experiência… dá trabalho sim, mas tudo é possível com esforço e dedicação.

GH – Pier Solar será lançado em HD em 30 de setembro para Steam, Ouya, PS3 e PS4. Conte para nós como isso aconteceu. Que outros sistemas vão recebe-lo e quando?

R: Logo quando o Kickstarter concluiu fomos contactados pela Sony, depois Nintendo e com muito custo a Microsoft. Fizemos a campanha da Steam Greenlight no início do anos e fomos aprovados com menos de um mês, e assim quando o jogo ficou pronto nós pensamos: “Agora é só lançar“. Nós não tínhamos a mínima ideia de como é complexo o processo de certificação e esse se arrastou por vários meses. Passamos primeiro no PC, depois PS3, PS4 e OUYA. Como o Wii U e Xbox One ainda estão pendentes, decidimos lançar agora pois precisamos das vendas para sobreviver, e além disso nosso público está ficando impaciente. Portanto sai agora para estas plataformas e Wii U e Xbox One, assim que passarmos na certificação.

GH – Como foi a experiência de trabalhar com a Sony, Microsoft e Nintendo para o lançamento do game em suas respectivas plataformas? Eles são muito exigentes com desenvolvedores indie? Houve algum tipo de problema com eles?

R: Todas as empresas tem seus méritos e suas dificuldades. A Nintendo foi de longe a que mais deu suporte, nos levou para feiras e exposições, fez anúncio na E3 e tudo mais. A Sony e Microsoft de maneira menos intensa que a Nintendo mas também nos deram todo o apoio durante o desenvolvimento. São empresas muito profissionais e nos trataram com muito respeito.

GH – Quais são as maiores diferenças da versão HD da original do Mega Drive? Teve algum problema ao trabalhar em plataformas bem mais robustas do que o 16 Bits da Sega? Qual console moderno foi o mais fácil de se trabalhar?

R: O jogo inclui gráficos HD e Trilha sonora HQ além dos gráficos originais e você pode trocá-los a qualquer momento nas opções. Além disso, a estória foi aumentada com mais detalhes que foram cortados na época do Mega Drive para fazer o jogo caber no cartucho, há novos cenários, novos chefes além de novos mini-games e side quest. As plataformas modernas nos abriram muitas possibilidades portanto nós nos limitamos para não sair trocando tudo e gaster 100 meses no projeto. Dos consoles acho que os mais fáceis de se lidar foram o Wii U e PS4.

GH – Para finalizar, quais são os próximos projetos da WaterMelon Games? Pode deixar seu recado final para os nossos leitores também.

R: Estamos trabalhando em 4 jogos além do Pier Solar e temos mais outros 3 jogos em processo conceitual. Tem muita coisa por vir ainda. Visitem a Magical Game Factory para conhecer mais sobre nossa empresa e nossos jogos. Obrigado por essa grande oportunidade, acho que o melhor recado é que tudo é possível de se realizar, bastar ter esforço e dedicação, disciplina e força de vontde. Todos nós podemos realizar nossos sonhos, se deles nunca desistirmos.

O site Gamehall gostaria de agradecer ao Tulio Adriano pela entrevista e desejamos boa sorte para a sua empresa e carreira profissional, e ficamos na torcida que venham ainda muitos RPGs oldschool futuramente, afinal, os clássicos nunca morrem! Confira abaixo um trailer de “Pier Solar”:

Márcio Pacheco

Márcio Alexsandro Pacheco - Jornalista de games, cultura pop e nerdices em geral. Me add nas redes sociais (links abaixo):

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