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DMA Design

por Henrique Tozzi

Essa é uma história sobre como tudo começou. É a história da DMA Design. Só que assim como em 17 de cada 14 sites de games, essa história é praticamente a história de GTA. Não há como separar a DMA Design de GTA. Como bem notado em um artigo de Dave Lee (“Grand Theft Auto: One of Great Britain`s finest cultural exports?”), para a BBC, GTA é uma das grandes “exportações culturais” do Reino Unido, podendo ser colocado no mesmo patamar de Beatles, James Bond, Iron Maiden, e até da indústria do chá, se o leitor assim quiser. Só para questão de comparação, GTA vendeu, desde o início da franquia, mais cópias de jogos do que o “The Who” vendeu álbuns em toda a sua carreira, sendo estimado o total de vendas da franquia GTA em torno de 135 milhões de cópias desde 1997.

Todo esse sucesso teve um começo. E é ele que vamos visitar agora.

Tudo começa em um clube de computadores amador de Dundee, Escócia, onde Dave Jones, Russell Kay, Steve Hammond e Mike Dailly se encontravam regularmente não somente para conversar sobre jogos e programação, como também, e principalmente, para escrever e programar seus próprios jogos. Era 1984, durante a primeira era de ouro dos jogos eletrônicos.

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Nesse período, Dave Jones (que obviamente não tem nada a ver com a personagem de “Piratas do Caribe”) trabalhava em um jogo chamado “Menace”, vindo a ser o primeiro lançamento da recém-criada DMA Design, em 1988, fundada pelos amigos do clube acima mencionado. A história diz que o nome “DMA Design” veio dos manuais de programação do computador pessoal “Amiga”, significando “Direct Memory Access” (Acesso direto à memória), enquanto outros, jocosamente, dizem que o nome significa “Doesn’t Mean Anything” (Não Significa Nada). Até pode haver um pouco de verdade nesse segundo nome, uma vez que Mike programou um jogo que se chamava “Game with no Name” (Jogo sem nome algum) para o Commodore 64.

Seguindo o sucesso de Menace, a companhia produziria “Blood Money”, também um jogo de tiro espacial de progressão lateral. Menace e Blood Money foram lançados para o “Amiga” em 1988 e 1989, respectivamente. O Amiga era, na época, considerado um computador pessoal de alto desempenho. Produzido pela Commodore, era a plataforma do momento em toda a Europa. Menace e Blood Money foram bem recebidos pelos jogadores e pela crítica, tanto por sua qualidade quanto pela dificuldade, e foram em seguida portados para o Commodore 64, Atari e DOS.

Mas foi em 1991 que a DMA ganhou notoriedade internacional massiva. Foi lançado “Lemmings”, jogo de puzzle dinâmico de enorme sucesso. Foram vendidas 20 milhões de unidades do jogo em 21 sistemas diferentes. Se formos calcular, isso dá quase 1 milhão de unidades por sistema para o qual foi portado, e para a época era um número bastante impressionante. O sucesso rendeu outras versões, como “Oh No! More Lemmings”, “Lemmings 2: The Tribes”, “All New World of Lemmings”, e dois especiais de natal. A influência de Lemmings é facilmente notada na indústria atualmente em jogos como os da série Mario vs Donkey Kong e o sucesso indie “Spirits”. Foi um dos primeiros jogos a introduzir a ideia de estratégia em tempo real (RTS).

Mais tarde, em 1994, a DMA produziria o jogo “Uniracers” para o Super Nintendo, o primeiro a ser lançado para uma plataforma Nintendo. Após a produtora realizar alguns testes com máquinas do que viria a ser a futura geração, a Nintendo solicitou que a DMA fizesse parte do seu “time dos sonhos” que produziria jogos para o Nintendo 64. E que time dos sonhos era, pois incluía produtoras altamente renomadas, como a Rare, Paradigm, Acclaim, Midway e LucasArts.

O jogo produzido pela DMA foi “Body Harvest”, um jogo veicular em 3ª pessoa cuja história tratava de uma invasão alienígena na Terra a fim de usar a raça humana como comida. A Nintendo solicitou um grande número de mudanças e modificação de mecânica, como a inclusão de puzzles e a adição de elementos de RPG, a fim de agradar o público japonês. As solicitações da Nintendo acabaram atrasando em demasia o projeto, e por fim a Nintendo decidiu não ser mais a Publisher de Body Harvest. Coube à Gremlin Graphics e à Midway publicar o jogo em 1998, que recebeu críticas favoráveis quanto ao gameplay de mundo aberto e mecânicas, e algumas reclamações por parte dos gráficos. O segundo jogo da DMA para Nintendo 64 foi “Space Station Silicon Valley”, também de 1998.

Maquete de Race ‘n Chase

O pulo de alguns anos nessa história foi necessário, pois agora entramos em uma parte interessante não só da história da DMA Design, como da cultura do entretenimento eletrônico em si. Estamos em 1995. Mike Dailly e Dave Jones, juntamente com outras pessoas da produtora, começaram a trabalhar em um jogo de corrida chamado Race ‘n Chase. O jogo era planejado para ser, segundo os próprios produtores “um jogo de corrida viciante, rápido e dinâmico”, com vista superior, e alguns detalhes que não existiam na época: você poderia sair do carro durante a corrida e trocá-lo, roubando de outra pessoa; podia atropelar transeuntes (OK, isso existia em Carmaggedon); e a polícia iria persegui-lo durante as corridas, e eventualmente atirar contra você.

Todos esses elementos eram realmente novos, e aliados a uma engine gráfica também recentemente desenvolvida, tinha tudo para ser um sucesso. Haveria missões diversas como corridas simples, “destruction derbies” e assim por diante, em três cidades diferentes. Só que o jogo era uma porcaria. A mecânica básica era até interessante, mas o jogo era cheio de defeitos (bugs e glitches na linguagem de programação) e era, de certa maneira, desinteressante. Mas um glitch do jogo chamou muito a atenção: em certo momento, os policias que perseguiam os jogadores ficavam loucos, e ao invés de pedir que o jogador encostasse seu veículo, iam ferozmente em direção aos carros causando colisões e tentando tirar o jogador da pista.

Esse glitch era mais divertido que o jogo inteiro, e os testadores, na época, passavam mais tempo se divertindo tentando fugir da polícia do que testando o jogo em si. Isso fez com que a ideia inicial de Race ‘n Chase fosse deixada de lado, e durante os 30 meses seguintes os programadores trabalharam na conversão desse jogo para o que conhecemos hoje como o primeiro Grand Theft Auto. Contada dessa maneira, a história parece bonita e elegante, mas não é.

Antes de ser o que é, GTA já causava polêmica. Ninguém queria trabalhar no jogo, devido à sua complexidade, violência, e envolvimento com outros projetos. A programação do jogo por si só já era um tormento, e reunião após reunião a BMG Interactive, publisher nos EUA, queria cancelar o jogo. Contudo, os programadores ressaltavam a importância do jogo, e argumentavam o quão importante era a sua realização, até que conseguiram lança-lo em 1997.

E foi aí que os subprodutos fisiológicos humanos provenientes da digestão de sólidos atingiram o ventilador. Até então, videogame era coisa de criança, e um jogo com uma temática adulta tão forte só poderia resultar em má influência para toda e qualquer geração de pimpolhos. A “opinião pública”, na forma de artigos de jornais, pedia o banimento do jogo em todo o mundo (no Brasil eles tiveram sucesso, apesar do banimento ter sido retirado há algum tempo atrás). O detalhe é que toda essa polêmica só ajudava as vendas. Talvez porque a própria DMA Design pedia para certos tabloides do Reino Unido publicar histórias absurdas que envolviam o jogo. Talvez porque a novidade nos games era tão nova e chocante que todos precisavam conferir. Talvez porque se tratava (com toda a certeza) de um jogo empolgante e bem refinado. O fato é que GTA fez tanto barulho que não podia mais ser ignorado. Assim como Space Invaders mudou a indústria adicionando nível de dificuldade progressivo (também um glitch no seu desenvolvimento) e High Score, GTA ensinou com quantos edifícios se faz um jogo de mundo aberto.

Sua continuação era iminente, e mais tarde, em 1999, seria lançado o jogo GTA 2 para computadores, PS1, Dreamcast e Game Boy Color. A mecânica foi refinada, a história foi refinada, os gráficos atualizados, e as polêmicas continuavam.

Porém, a canção do cisne veio com GTA III, em 2001. Os gráficos 3D, um mapa gigantesco e uma cidade que respirava tornaram GTA III outro marco na indústria. Durante seu desenvolvimento, a DMA Design passou a ser parte da Rockstar Games, mudando seu nome para Rockstar North. Hoje a Rockstar Games pertence à Take2 Interactive, após sua aquisição da BMG Interactive (a mesma que publicou o primeiro GTA).

Embora tenha mudado de nome, a política da DMA Design ainda é forte na Rockstar. E um pouco dessa história será abordada na segunda parte desse texto.

Sammy Anderson

Fundador do GameHall e produtor do programa Versus.

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