Análises

Heavy Rain

– uma mistura de filme e jogo na medida certa –

Se você tem um PlayStation 3, certamente está aguardando ansiosamente por Heavy Rain, novo título exclusivo para o console da Sony, produzido pela Quantic Dream. É a grande promessa de um jogo totalmente inovador no mercado. A demo do game já está rolando por aí desde o dia 11 e já deu para ter uma ideia do que estava por vir.  Mas será, agora com o jogo completo, que realmente conseguiram fazer uma revolução na indústria de games?

A resposta é sim e não. O título não é tudo aquilo que a maioria das pessoas estão esperando, mas sem dúvida nenhuma é um grande e importante passo para o amadurecimento da produção de games. Apesar de algumas notícias dizendo que o jogo está apresentando problemas, nós aqui da Gamehall não tivemos nenhum.

O “drama interativo”, como foi apelidado, tem como principal arma a sua história e enredo envolventes. O jogo irá abordar questões e emoções humanas como nenhum outro jogo foi capaz de fazer até hoje. A imersão com as personagens e o contexto que o jogo propõe é algo fantástico, claro, não é 100% perfeito, mas ele consegue transmitir sentimentos e emoções em boa parte do jogo. Nós não temos aqui monstros espaciais, super-heróis ou super poderes e armas de tecnologia super avançada. Nem temos que salvar a princesinha ou o mundo. É a história de quatro pessoas absolutamente normais em situações extraordinárias, pessoas que poderiam ser eu ou você aí que está lendo e que tem como tema principal  “o que é ser bom e o que é ser mal”.

É incontestável a forte influência cinematográfica que o título possui, desde o seu início até os momentos finais. Não apenas pela sua transmissão da sua narrativa, mas também pelo impacto visual que proporciona, o uso de diversos ângulos de câmeras, as expressões faciais dos personagens, a sonoplastia e como o próprio nome do jogo indica, uma chuva pesada e intensa muito bem feita. Para quem é cinéfilo de plantão, vai perceber que o game empresta muita coisa de filmes como Seven: Os Sete Crimes Capitais, Jogos Mortais, O Fugitivo, entre outros.

O fator investigação é bem forte no jogo e você terá que fazer escolhas morais nada fáceis que envolve vida e morte, sofrimento, revolta, vingança. O jogo irá fazer você refletir sobre sua própria vida e decisões, afinal, até que ponto você chegaria por alguém que você ama? Ou que decisões tomaria em situações de desespero extremo?

Mas o que esperar de Heavy Rain então? Ele é um jogo de ação? É um  jogo de investigação? É simplesmente um filme? Um filme interativo em que tomamos parte em decisões importantes? É um pouco de cada e muito mais, o que posso dizer com certeza é que Heavy Rain é um excelente jogo, próximo de uma obra prima. Um jogo para adultos, por causa da maturidade em que tudo é mostrado. Vamos então ao game.

A Edição Especial de Heavy Rain na Europa vem com uma capa frontal simples, com relevo a imitar gotas de chuva. A caixa é desdobrável com cada dobra decorada com a ilustração de uma das personagens. Também inclui instruções para a construção de origamis, um voucher de DLC, notas sobre o jogo e o origami killer. Por fim, como mimo especial, traz também o origami que o assassino deixa em suas vítimas. O preço? Apenas £40.

Luz, câmera e jogo!

Como o ponto forte do game é a sua história, não entrarei em muitos detalhes para evitar spoilers e não estragar a surpresa e a emoção de se jogar e descobrir os detalhes. O que eu posso dizer é que é uma narrativa adulta, extremamente interessante e imersiva, com momentos brilhantes. Como muitos de vocês já devem saber, controlamos quatro personagens distintas que procuram pelo Origami Killer, um psicopata com motivações obscuras.

Entre as personagens temos o atormentado Ethan Mars, que levava uma boa e pacata vida de homem casado com os seus dois filhos, mas até que uma tragédia muda radicalmente sua vida, mostrando que o mundo nem sempre é belo. Em contraste dos dias felizes e ensolarados que Ethan levava, o cenário dá lugar a uma chuva densa e constante, que combina com o seu estado depressivo profundo. Para piorar, um dos filhos de Ethan desaparece misteriosamente e tudo aponta para o assassino rotulado como Origami Killer, que sempre deixa uma peça de origami no corpo das suas vitímas e que já matou outros jovens da região com a mesma idade do filho de Ethan. Apesar de termos quatro personagens jogáveis, é Ethan Mars o foco principal, em que todas as outras histórias giram em redor dele.

Além dele temos também o viciado e detetive do FBI Norman Jayden que está a procura do assassino. Scott Shelby é um ex-policial, agora um detetive particular contratado pelas famílias das vitímas e Madison Paige, uma misteriosa jornalista com motivações desconhecidas também no rastro do assassino.

A partir desses quatro personagens você irá vivenciar uma trama repleta de mistérios, reviravoltas e reflexões sobre nós mesmos e nosso estilo de vida. Não há como você jogar esse jogo sem se comprometer com o enredo, que durante o seu desenvolvimento vai pular de um personagem para outro para controlarmos, e em certos momentos pode acontecer deles se encontrarem.

O início do game é propositalmente lento, pois é nesse momento em que o jogador irá conhecer e estabelecer uma relação mais próxima com os personagens e o contexto do game. Você jogador que gosta de ação e velocidade intensas provavelmente não vai gostar muito da lentidão de Heavy Rain. Mas se não fosse assim, nao seria possível apreciar a experiência imersiva que o título se propõe.

Como o enfoque do game é em sua narrativa, a jogabilidade não assume um papel muito importante, como já era de se esperar. Os comandos podem parecer complicados à primeira vista, principalmente para fazer o personagem andar (você deve segurar R2 enquanto controla com os dois analógicos) em determinados locais estreitos ou quando há mudanças de câmera. Mas com o tempo você acaba se acostumando a usar TODOS os botões do controle. Você pode andar livremente pelos cenários, mas só pode interagir em determinados objetos, partes dos cenários ou personagens secundários, podendo abrir portas, gavetas, pegar algo, etc. Essas interações sao feitas a partir de comandos chamados de Quick Time Events (QTE), um elemento que certamente irá dividir a opinião dos jogadores.

A maior parte da ação do jogo será feita pelos QTE, apesar de você poder explorar cenários e resolver determinados elementos. Os QTE são usados desde as suas decisões durante o game através dos pensamentos dos personagens, até escalar obstáculos e cenas de lutas. Lembra um pouco os jogos interativos dos anos 80/90 como Road Avenger e Time Gal, em que você tinha um determinado tempo para apertar os botões.

Em Heavy Rain a ideia é a mesma, você possui um determinado tempo para apertar os botões efetuar uma ação. O que acontece se você não apertar? Em certos momentos não acontece nada, em outros você pode mudar o rumo da história ou ainda acabar morrendo. O negócio é que existem pontos cruciais em que os comandos devem ser executados para dar continuação aos eventos. Há também a necessidade de se apertar vários botões simultaneamente para efetuar algumas ações, geralmente em cenas de lutas, perseguições ou fugas, que podem oferecer um desafio para a nossa destreza nos dedos. Não tenha vergonha de usar o queixo se faltar dedos. Após algum tempo e graças à imersão do jogo, você irá fazer os comandos naturalmente, já que na maior parte o uso dos botões na cenas fazem sentido com o contexto do momento.



Em termos gráficos e visuais, Heavy Rain é um espetáculo a parte. As influências cinematográficas são marcantes, tanto na concepção artística de cenários, prédios, vestimenta de personagens, como nos ângulos de câmeras e nos momentos de ação, tensão, drama e romance, com direito à cenas picantes, mas tudo de bom gosto, adulto e sem vulgaridades.

Mas voltando aos gráficos, eles são muito bem feitos e com um grau de realismo impressionante. Se Metal Gear Solid 4 impressionou quando lançado e Uncharted 2 também o fez ano passado, desta vez é a hora de Heavy Rain brilhar. Claro que ele não é 100% perfeito e olhos mais atentos podem achar algumas falhas, texturas e animações mal feitas. Mas na obra geral, o jogo impressiona pela sua texturização, o uso de luz e sombras e o grau de detalhes nos cenários.

Os cenários são muito bem construídos e o design dos personagens estão impecáveis. Você pode ouvir a sua respiração, elas caminham fluidamente e bem animadas, especialmente o “belo par” de Madison Paige. O game possui várias cutscenes de alta qualidade, mas que infelizmente não há opção de interação. A qualidade das cutscenes é mais alta do que os gráficos in-game, como já era de esperar. É incrível ver o esmero que a Quantic Dream teve ao fazer essas cenas, verdadeira obras de artes. São gotas de chuvas que caem pelos cabelos e escoam pelo rosto, são as umidades vistas nos olhos, poros e rugas nas peles, entre outras particularidades. Percebam como mãos dos personagens são bem feitas nos seus minímos detalhes, prestem atenção nos rostos e expressões faciais que revelam diversas emoções e sentimentos. Aliás, um ponto chave para o sucesso do jogo: a representação e qualidade das emoções que os “atores virtuais” passam para nós.

Mas claro que nada é perfeito e o game apresenta alguns probleminhas. Algumas animações ficaram bem estranhas, como as cenas de beijos. Algumas dublagens não parecem estar bem sincronizadas com os movimentos labiais. Em cenários mais amplos, como ruas ou estações, podemos ver personagens secundários com uma movimentação esquisita, meio dura e artificial. Mas como eu disse, são pequenos problemas que não irão interferir na sua diversão. Outro destaque fica para o elemento que dá nome ao jogo, a chuva. Ela é constante e é retratada com perfeição em interação com os cenários e os personagens, escorrendo por diversos tipos de superfícies, em especial vidros e materiais transparentes, gotas de água que se chocam ou delicadamente escoam pelas faces das pessoas, e poças no chão que reagem aos movimentos dos personagens.

A trilha sonora segue o mesmo padrão, com temas fantásticos e efeitos sonoros variados. As músicas, como em um filme bom em que o jogo possui infuências, consegue transmitir as sensações de imersão necessárias em vários momentos do jogo. Temas tensos e dramáticos empregam mais profundidade à atmosfera do game, podemos inclusive perceber diferentes toms e volumes dependendo da situação e do que se esperar transmitir ao jogador. Talvez tenha faltado algumas músicas originais cantadas, mas o tema principal do jogo é fantástico mesmo assim.

Os efeitos sonoros são espetaculares, com o barulho da chuva em diferentes superfícies, passos, portas, carros, respiração e tudo mais que você puder imaginar está lá para criar uma atmosfera mais crível ao jogo. As dublagens estão excelentes, apesar de não termos ninguém famoso no elenco. Temos alguns deslizes, mas no geral casam bem com os seus respectivos personagens. Madison Paige é dublada pela (belíssima) modelo inglesa Jacqui Ainsley, e se você gostar dos movimentos da personagem virtual, saiba que eles foram feitos usando tecnologia de captação de movimentos da própria Jacqui Ainsley. Temos disponível dublagem de português de Portugal, mas é meio estranho e não combinou com os personagens, além de ter uma péssima sincronização. Porém temos os textos também em português, e esses são muito bem-vindos. Mesmo que você tenha o seu inglês em dia, é uma satisfação muito grande você poder ouvir a dublagem original com legendas em português, mesmo que sejam lá dos nossos primos lusitanos.

E quanto ao replay do jogo? Você vai querer jogá-lo muitas outras vezes para fazer escolhas diferentes e ver o que acontece. E são inúmeras as opções e pode rsultar em vários finais diferentes. Os seus quatro personagens não estão livres de morrerem durante o jogo, inclusive os quatro podem morrer numa mesma partida. E o que acontece então? Só jogando para saber, eu é que não vou falar. Apesar de ter apenas por volta de 10 horas de duração, você vai querer jogá-lo novamente para ver todos os finais possíveis, que dizem os produtores ser mais de 20. Tá de bom tamanho né?

How far will you go to save someone you love?

Márcio Pacheco

Márcio Alexsandro Pacheco - Jornalista de games, cultura pop e nerdices em geral. Me add nas redes sociais (links abaixo):

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