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Análise | Ghostwire: Tokyo acerta na ambientação, mas peca na repetição em mundo aberto genérico

A Tango Gameworks foi fundada pelo lendário Shinji Mikami, um dos criadores de Resident Evil, e aposta no talento de jovens desenvolvedores para criar os seus jogos. Após lançar dois capítulos da saga The Evil Within, o estúdio agora coloca suas fichas em Ghostwire: Tokyo, uma IP inédita que chega com exclusividade ao PS5 nos consoles e também no PC. O foco desta vez é mais na ação, mas sem deixar de ter aquele pezinho no gênero de terror que é uma marca do estúdio.

Um policial do além e um garoto 

Ghostwire: Tokyo não perde nenhum segundo para lançar o jogador direto em seu conflito. A primeira cutscene já mostra o protagonista, Akito, se envolvendo em um acidente grave ao pilotar uma moto. A tentativa era fugir de uma névoa tenebrosa pelo centro da cidade que dá nome ao jogo em direção ao hospital onde a irmã estava internada. Enquanto agoniza e vê uma misteriosa névoa branca se aproximar, ele nota que as pessoas atingidas por ela desaparecem, tendo suas almas sequestradas, sobrando apenas suas roupas no chão. O que parece o fim inevitável se torna uma oportunidade, já que o garoto é possuído neste momento por um espírito de um detetive chamado apenas de “KK”.

Além de dar forças para Akito sair do local, a fusão com KK permite ao garoto utilizar habilidades especiais de manipulação do Éter. Manipulando elementos naturais como o vento, ele agora pode lançar projéteis das mãos e combater outro sintoma maligno da névoa sinistra: monstruosidades e demônios que estão vagando por toda a cidade.

Outro personagem que é apresentado logo nestes primeiros minutos é o vilão: Hannya. Nos telões da icônica Shibuya 429, o malfeitor mascarado faz o seu discurso enigmático de união e superação da morte enquanto a névoa continua a tomar a cidade e sequestrar seus moradores. Pela reação de KK, já fica claro que também há algum passado entre eles. Já a motivação do Akito para lutar contra essa situação deriva de outra ação do malfeitor, que sequestra a sua irmã internada para concluir o ritual macabro.

Durante a jornada outros personagens centrais da trama vão sendo apresentados, mas nenhum deles, incluindo a dupla principal, ganha o devido tempo de tela para brilhar. Com uma campanha bem curtinha – 14 missões principais divididas em seis capítulos – o jogo não consegue definir bem as motivações de todos e apenas Akito ganha algum desenvolvimento pessoal já nos momentos finais da jornada.

Muito da dinâmica da narrativa gira em torno da sinergia entre Akito e KK, que, como bom clichê manda, começam apenas se tolerando. Sendo muito diferentes um do outro, vão gerando um daqueles contrastes cômicos, se abrindo para uma possível amizade durante a campanha. Em muitos momentos, o que vem na cabeça é um filme de policiais daqueles em que colocam o tira durão que fazia tudo sozinho na companhia de um jovem talentoso mas imprudente. A ideia é legal e não tão batida em jogos, mas teria funcionado melhor se a jogabilidade colaborasse com a ideia e a campanha fosse um pouco maior.

Em relação aos seus temas, Ghostwire: Tokyo não evita assuntos pesados como suicídio, depressão, abusos, traumas e principalmente lidar com o luto após a partida de entes queridos. Assim como os personagens, a abordagem de cada uma destas discussões fica ausente da profundidade necessária, mas o desfecho, ainda que pouco memorável, consegue emocionar quem, como eu, tem algum passado familiar que envolva uma ou mais destas situações.

Amor a Tóquio

Assim como Rumo à Goiânia do saudoso Leonardo, Ghostwire: Tokyo é, acima de tudo, uma homenagem à capital japonesa. O mapa é nada menos que todo o distrito de Shibuya e seus arredores, o que contempla cerca de 200 mil moradores em uma das maiores metrópoles do mundo.

A construção parece ser bem fiel, estudada bairro a bairro, quarteirão a quarteirão. Se você já foi em Tóquio ou conhece a cidade por meio de outros jogos e obras, como a série Persona ou Yakuza, vai ficar de queixo caído aqui. Os prédios e torres gigantes, o metrô complexo onde fica fácil de se perder, os bairros tradicionais, os santuários, tudo foi recriado – com algumas liberdades que servem à jogabilidade – de forma a ser uma carta de amor ao local e também servir plano de fundo para críticas à vida metropolitana, de conflitos trabalhistas à solidão.

Os gráficos ajudam bastante a passar essa sensação de visita a Tóquio. Durante os momentos em que você joga, a câmera está em primeira pessoa, o que aumenta a proximidade e imersão no cenário. O nível de detalhes da cidade, o interior de casas e objetos individualmente, é bem alto e a variedade impressiona. Neste sentido, o modo foto se torna quase um companheiro fiel de jornada, devido a tantos pontos de interesse legais para se parar e simplesmente fotografar.

Nesta versão de Tóquio é sempre noite, mas a iluminação cumpre seu papel com maestria para criar diversos tipos de paisagens que conseguem ir do vivo, graças ao neon e luzes cegantes do centro, até o clima sombrio em áreas de mata mais periféricas. O Ray Tracing tem um papel essencial nisso por dar mais vida aos reflexos, deixando-os mais realistas. Sem esse recurso tecnológico, presente apenas nesta geração de videogames, só é renderizado na tela o que o jogador está vendo no momento, deixando os reflexos que surgem de fora deste ângulo de visão ausentes das poças na rua, espelhos e texturas metálicas dos objetos.

Há um modo de jogo com Ray Tracing e FPS destravados, que é o melhor para quem tem uma TV com Free Sync ou G-Sync, garantindo que não rolem aqueles cortes na tela por dessincronização da taxa de quadros do jogo com a taxa de atualização da TV. Caso você não tenha essa tecnologia na TV de casa, optar pelo modo desempenho ainda deixa o jogo bem legal, mas vale testar o modo qualidade, que conta com Ray Tracing e 30 fps cravados – caso não se incomode com 30 quadros por segundo na jogabilidade e o sumiço dos reflexos esteja minando sua imersão visual.

Com essa qualidade visual e um trabalho primoroso de direção de arte, incluindo o design dos inimigos e animais, a ambientação se torna, por muito, o ponto mais alto da jornada. Alguns detalhes, como as luzes da rua ficarem vermelhas quando um demônio te persegue, ou chover de baixo para cima quando aparece um tipo específico de Yokai, aumenta ainda mais essa sensação de estar presente nesta cidade e de que ela reage aos acontecimentos de cada momento. Some isso ao ótimo uso do DualSense e a experiência, neste ponto, é bem positiva.

Diferentemente das missões principais, que focam na história de Akito, as missões secundárias e até mesmo atividades do mundo aberto tem foco total em outra homenagem do jogo: o folclore japonês. Em cada uma delas o jogador é convidado a conhecer um mito, indo dos mais bobos, como uma entidade que ataca jovens em banheiros, chegando até contos históricos que envolvem mitos e “yokais” tão importantes para a cultura deles quanto o saci ou a mula sem cabeça seria para a nossa.

Conhecer mais sobre esse aspecto cultural do país é um baita atrativo do jogo e ficar com aquela cara do meme do “eu entendi a referência” ao ver algo que você já conhecia é um dos pontos altos de Ghostwire: Tokyo.

Mundo aberto pobre

Se por um lado Tóquio foi bem construída no aspecto de ambientação e visual, por outro as atividades que ela propõe e o design do mundo como um todo são extremamente simplistas, e a repetição das atividades e do combate simplista acaba afetando negativamente algo que tinha um potencial incrível.

A jornada começa com a maior parte do mapa fechada pela névoa mortal que da sentido à história, mas Akito, por meio de uma habilidade de purificação, libera as áreas que elas afetam. Entenda essa parte como as clássicas torres dos jogos de mundo aberto da Ubisoft, que foram amplamente copiados por inúmeros outros títulos. Assim que uma área é liberada, vários pontinhos vão pipocar no seu mapa e aí começa aquela trabalheira para completar uma lista de tarefas que vai ser idêntica por todo o mundo aberto. Abrir o mapa é quase desanimador, com tanta coisa repetida marcada.

Além de ser uma decisão de design já batida e que infla o jogo artificialmente, no caso de Ghostwire: Tokyo ainda há o problema de haver bem menos variação nas atividades do que estamos acostumados em outros jogos. As missões secundárias podem ser legais em alguns momentos, mas se resumem a ir até um ponto e conhecer um mito de forma bem rápida, com uma estrutura de missão muito similar em todas, que acaba no combate com monstros repetitivos. Conseguem ser menos trabalhadas que as famosas invasões de base em jogos deste tipo, que aqui sequer existem. E essa é a melhor parte do conteúdo.

O resto gira em torno de conseguir colecionáveis em números absurdos e que acrescentam pouco ou quase nada na jornada. Há almas para coletar. Por exemplo, 240 mil delas. Cada bloco de alma que você coleta tem de 90 a 700 almas. Então boa sorte em conseguir achar todas. Já a captura de Yokais, que serve para extrair um recurso de melhoria do personagem, gira em torno de atividades extremamente simples, como correr atrás deles por 2 ruas. Algumas chegam a parecer nem terem sido testadas e apenas inseridas no jogo para criar alguma camada a mais de conteúdo, porque duram cerca de cinco segundos.

Por fim, há a coleta de relíquias e estátuas, mais de uma centena deles, mas essas pelo menos com descrições no menu que são legais de ler se você estiver interessado na parte cultural. No geral, sair da missão principal rapidamente se torna chato e é pouco recompensador.

Combate sem recheio

Se o combate do jogo fosse excelente, muito desta repetição teria sido evitada, especialmente porque praticamente tudo que você faz acaba nele. No entanto, o sistema é uma casca sem recheio, com poucas opções para o jogador se expressar e abandonado por uma progressão quase inexistente durante a campanha.

Akito pode arremessar apenas três tipos de magia durante todo o jogo, aquelas que você já deve ter visto nos trailers. Vendo de forma bem abstrata, ele tem o elemento do vento, que vai funcionar como uma pistola, o elemento da água, que vai funcionar como uma escopeta, e o elemento do fogo, que aqui será como uma arma sniper poderosa, mas com pouca cadência e munição. Há um tiro carregado para cada uma delas que também funciona da forma que você esperaria de uma arma de fogo, como disparos rápidos ou um lança granada, mas nada que chame a atenção de forma criativa. Para completar o arsenal, há um arco e flecha que funciona exatamente como se espera dessa arma durante todo o jogo, não havendo nenhuma infusão mágica ou poder especial.

Há uma oportunidade perdida enorme de abraçar a magia e criar coisas fora da caixa, longe desse clichê padrão de shooters. É como se eles tivesses optado pelo mais simples para o tipo de câmera escolhida e colocado uma skin de magia por cima para justificar seu universo.

Há alguns equipamentos extras, como talismãs, que causam efeitos como paralisia ou criam um arbusto para te ajudar a usar a furtividade, mas não conseguem diminuir a sensação de repetição e a falta de criatividade do combate, ficando como opções bem secundárias para momentos específicos.

A furtividade, aliás, poderia ser um alívio para o combate cansativo, mas há poucos encontros que permitem utilizá-lo, com essa opção ficando presa a áreas planejadas para isso. Fica mais como um recurso secundário para situações onde, se você tiver sorte, o inimigo vai estar de costas.

Tudo isso é ganho antes da metade da campanha e não há novas magias depois. As missões secundárias não adicionam novas formas de jogar. Não há magias para movimentação como impulsos ou mini teletransportes. O que resta é uma árvore de habilidades pouquíssimo inspirada, que adiciona apenas incrementos simples a dano, distância ou recuperação de recursos.

Como os inimigos têm pouca variação e vários deles se comportam de forma muito parecida, todo o combate no jogo parece idêntico. Ao ser repetido à exaustão, vai deixando seus defeitos ainda mais visíveis com o tempo e fica insuportável tanto ao andar pela cidade quanto ao concluir novas missões.

Nem mesmo os chefes tiram esse gosto amargo da boca. Alguns tem uma dinâmica diferente, como um focado na furtividade, mas no geral são esponjas de dano com um pontinho brilhante para ser acertado com as mesmas magias de sempre.

Conclusão

Ghostwire: Tokyo tem seus méritos. A representação visual de Tóquio e o foco na cultura local são um atrativo inegável para o jogo. No entanto, o design de mundo pobre, que abusa da repetição e infla o conteúdo de forma artificial, mina toda a jornada, que não consegue se segurar com um combate simplista e pouca progressão na jogabilidade.

A história até tem seus momentos, mas como é concluída rápida demais, não consegue desenvolver bem seus personagens, que nunca têm o espaço para brilhar como deveriam. Sendo assim, não segura as falhas e falta de conteúdo, que superam bastante as qualidades da cidade, por sua vez desperdiçada.

Prós

  • Ambientação excelente
  • Design dos inimigos é assustador de tão bom
  • Uma das melhores representações de Tóquio nos games
  • Foco na cultura local dentro das missões secundárias

Contras

  • Design do mundo aberto é datado e focado na repetição de poucas atividades
  • Combate fraco e repetitivo, com poucas opções para o jogador
  • Personagens não conseguem se destacar na campanha, por ela ser curta demais
  • Árvore de habilidades simplista e pouco inspirada
  • Chefes são apenas esponjas de dano e pouco memoráveis

Nota: 7.0/10.0

Uma cópia do jogo para PS5 foi fornecida pela Bethesda para a elaboração desta análise.

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