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Análise | NieR Replicant ver.1.22474487139… é um remaster digno para veteranos e novatos

Com o aumento do custo dos jogos e uma aversão cada vez maior aos riscos por parte dos estúdios grandes, é bem difícil encontrar jogos que sejam ao mesmo tempo ambiciosos e autorais. Se tem alguém quem vem nadando contra essa corrente há mais de um década é Yoko Taro, diretor das séries NieR e Drakengard.

Após o sucesso de NieR Automata, lançado em 2017 para PC e PS4 e em 2018 para Xbox One, o prestígio do diretor dentro da Square Enix aumentou bastante. O resultado foi o sinal verde para fazer um remaster do primeiro jogo da franquia, lançado em 2010 para PS3 e Xbox 360. A promessa foi de refinar algumas arestas que eram sofríveis no jogo original, como a câmera e o combate, melhorar a parte gráfica e trazer alguns conteúdos novos para fãs de longa data. O resultado é NieR Replicant ver.1.22474487139… sim, com esse tanto de números no título mesmo.

Referências, experimentação e história marcante

Os jogos do Yoko Taro, tanto em NieR como Drakengard, acontecem em um universo compartilhado. Há sempre uma certa continuidade entre eles. Fãs de longa data vão pegar referências, entender melhor as nuances do mundo e uma vez ou outra dar de cara com um personagem que já esteve em outros jogos. Dito isso, você consegue jogar perfeitamente NieR Replicant ou o NieR: Automata de forma separada, na ordem que achar melhor. As histórias têm os seus próprios rumos e o que vai acontecer no fim das contas é que você provavelmente vai ficar doido para jogar os outros jogos, consumir todo o material lançado em outras mídias e tentar descobrir e entender mais sobre todo o universo criado aqui.

Em Replicant você joga com um jovem protagonista que a princípio parece um clichê dos JRPGs, mas o desenvolvimento quebra todas as convenções esperadas. É, inclusive, uma forma de apresentação que Taro aplica bastante durante vários outros momentos. O garoto utiliza uma espada nas costas, vai receber o nome que você quiser dar e gosta de executar tarefas para qualquer um que tenha um problema. Sua principal preocupação é com a irmã mais nova, Yohna, que convive com uma doença estranha e que parece incurável. Esse, a princípio, é o único detalhe sobre o garoto que dá uma camada a mais de complexidade ao seu arquétipo.

Nesses primeiros momentos, o jogo te oferece uma experiência familiar e um tutorial bem simples. Uma série de missões opcionais bobinhas servem para criar um primeiro vínculo com os NPCs da vila, do tipo mate um animal ali e me traga sua pele, ou pegue esse dinheiro aqui e me compre umas ervas. Essa vila, aliás, é bem bucólica, autossuficiente e com ares medievais que destoam bastante do que vimos em Automata e na introdução que rolou segundos antes do jogo começar de fato.

Não fosse a introdução bizarra, que mostrou inclusive uma cidade em ruinas e repleta de sombras, com um livro que solta magias negras e supostamente centenas de anos no passado, nem desconfiaríamos que há algo de muito errado nessa ambientação tranquila.

Ao continuar fazendo trabalhos para os moradores da vila e para a dupla de líderes do local, as gêmeas Devola e Popola, o jogo vai apresentando mais do mundo e daquilo que mais preza: os seus personagens. O elenco dos companheiros de grupo aqui é realmente cativante e a medida que você vai realizando missões ao lado deles e descobrindo mais sobre o seu passado, logo cria aquela sensação de quase amizade e preocupação com os desfechos dos seus arcos. Aqui, na minha opinião, os personagens conseguem ser até melhores que os do Automata, o que quem jogou sabe que é um baita elogio.

O Grimório Weiss é um livro que vai usar magias para o protagonista em combate, mas é vivo e funciona como um companheiro inesperado. Weiss possui um conhecimento amplo sobre tudo, mas o destaque mesmo fica para a sua personalidade. A forma como ele é sarcástico sobre todos os temas e repleto de pompa nos seus comentários, quase como um membro da corte, cria um contraste muito legal com o seu personagem, que é um jovem bem menos requintado e mais cabeça leve. A dinâmica entre os dois é um dos pontos altos do jogo e mesmo nas partes mais fracas, como na repetição dos caminhos para ir e vir, uma conversa entre esses personagens já faz tudo valer a pena.

Kainé é outra personagem sensacional e repleta de profundidade. Inicialmente ela parece apenas uma personagem feminina sexualizada, daquelas bem clichê e comuns em JRPGs, que só cumpre a cota da ereção juvenil. Embora a explicação para o uso de uma lingerie com decote na bunda seja tão furada quanto a do Kojima para deixar a Quiet seminua, tanto o desenvolvimento quanto o passado dela são muito bem feitos e dá para dizer que ela quase divide o protagonismo da jornada. Isso vale especialmente após jogar o inédito final da rota E. Outro ponto que merece todos os elogios aqui é a performance excelente da atriz Laura Bailey na dublagem em inglês. A forma como ela dá vida aos discursos desbocados da Kainé consegui ir do dramático ao cômico de forma natural e brilhante. A personagem ganha outra vida com dela.

Por fim, temos o jovem Emil, doce e amável como uma criança deveria ser, mas com o potencial destrutivo de uma bomba atômica. Não gostar desse garoto é quase um crime e assim como todos os outros citados aqui, tanto o seu passado como seu desenvolvimento são marcantes e tornam o envolvimento do jogador com a história em algo profundo.

Como um tecelão da desgraça, Yoko Taro cria um ambiente de contrastes entre os momentos de puro calor no coração e a total ausência de esperança. Como amigos que são fãs da série Drakengard me alertaram, NieR Replicant é um jogo muito mais triste que o Automata, bem mais com a cara dos clássicos do Taro.

Ao mesmo tempo, ele não abre mão de experimentar e fazer as referências que curte colocar em seus jogos. O início, que lembra muito o jovem Link fazendo das suas por Kokiri Forest, não é mera coincidência, havendo inclusive diversas outras referências a The Legend of Zelda, de personagens levantando itens, Link conseguindo algum equipamento novo, e até calabouços focados em quebra-cabeças. Há também uma referência a Resident Evil em uma mansão e partes isométricas similares ao que vimos nos jogos da franquia Diablo. O que eu senti vivenciando a jornada foi como se eu, durante todo o tempo, estivesse tendo uma conversa com Taro sobre o que ele acha interessante em design de jogos, estética e desenvolvimento de personagens. Quais os questionamentos que ele tem quanto às suas filosofias existenciais ou comportamentais e como isso me afetaria quanto à proposta da narrativa. Algumas vezes inclusive com comunicação direta, graças as quebras de quarta parede que ele faz muito bem. Algumas sérias, e outras cômicas, como quando pulamos na água repetidas vezes com o personagem.

Uma das partes desse jogo de referências e experimentações que me chamou a atenção é o uso de texto para substituir as clássicas cutscenes. É quase como uma homenagem aos RPGs clássicos de texto, como Zork. Para o jogador com mais vivência, flui como jogar uma fase 2D do Mario dentro dos seus jogos 3D. Não dá nem para chamar de visual novel, porque é texto direto na tela preta mesmo.

Como tudo que o Taro coloca no seu jogo, há uma explicação que liga o evento mecânico à lore do jogo, mas a intenção é entregar algo diferente e que não se reprima pelas resistências do orçamento. De repente você está lendo páginas de texto, extremamente bem escritas, explicando a origem dura e sofrida da Kainé. A sua imaginação é atiçada com música colocada de forma dinâmica no fundo e até pela forma como o texto é inserido na tela simples e preta. A interação ocorre por vezes com escolhas, e por outras nem assim, fazendo você “viajar” como se estivesse lendo um ótimo livro.

O resultado funciona e me fez até questionar, se aceitamos tanto que se tire o controle do jogador para ver cutscenes que aprofundam a história, porque temos tanto receio do texto. É a falta da vivência com a leitura? Pensei em dezenas de exemplos de jogos de baixo orçamento que acabam parando o jogo para entregar uma cutscene com animações ruins e texto pobre por conta das limitações técnicas do estúdio de transmitir o desejo do autor de forma visual. Não seria melhor um texto bem escrito? No final da história triste e dolorosa do passado da Kainé, lida em texto corrido e imaginada de forma perfeita e sem as limitações da mídia, empurrado pela narração bem feita do eu lírico criado pelo Taro, fiquei mais imerso do que em grande parte das cutscenes polidas, mas contidas dos blockbusters de maior orçamento, quem dirá em relação aos jogos menores.

Como nos outros jogos do Yoko Taro, a narrativa do NieR Replicant é entregue aos poucos e explorando facetas, com os diferentes pontos de vista apresentados em jornadas idênticas, mas vivenciadas de forma diferente. Cada vez que o jogo é completado, um novo caminho se abre. Você vai executar novamente parte da aventura, mas dessa vez com a visão diferente de um companheiro de jornada, resultando em novas informações que você não tinha antes. Em algumas rotas, como são chamadas pelos fãs, você terá finais diferentes, avanços na narrativa e mais entendimento da proposta do diretor.

Repetição cansa

Em NieR Replicant, essa forma de apresentar a história sofre muito mais por conta do orçamento e limitações tecnológicas da época em que foi lançado o título original do que no Automata. Aliás, todo o jogo parece mais contido do ponto de vista técnico para o que era possível, mesmo com as bem-vindas melhorias do remaster.

A maioria das outras rotas após a A é repetida e mesmo com alguns pontos de vista interessantíssimos de outros personagens em locais específicos, a maior parte do tempo nelas será andar pelos mesmos mapas, ver as mesmas cutscenes – ao menos é possível pulá-las – e tentar imaginar que no final tudo vai compensar. E compensa mesmo.

Andar de uma cidade para outra constantemente para fazer as dezenas de missões opcionais, ainda na rota A, já é um desafio de persistência enorme. O design da maioria dessas missões é bem pobre, sendo no geral coletar um item ou matar um inimigo e voltar para o NPC. A andança por mapas repetidos desse mundinho pequeno torna boa parte da jornada bem chata e pouco relevante. Vale frisar que algumas missões secundárias são salvas pela narrativa, como a história emocionante da senhora que mora em um farol na cidade costeira ou a jornada do casal que gosta de utilizar bolsas vermelhas que combinam, mas no geral são dispensáveis e cansativas, com pouca adição na narrativa ou jogabilidade. Servem apenas pelo dinheiro ganho, que dura pouco aqui, já que os itens são bem caros, o que é legal. Recomendo até evitar fazer algumas delas se achar que está diminuindo o seu interesse pela campanha, que é muito boa.

O combate recebeu toda uma atenção especial e parece estar melhor em várias frentes. Eu não joguei a versão original, mas pelo que ouvi de amigos e vi por vídeos, os problemas com câmera, respostas dos controles e combos possíveis eram sérios. Aqui o jogo tenta emular bastante o que fizeram no Automata, mas o resultado é bem inferior, mesmo que também não seja ruim. Isso era esperado ao meu ver, já que a PlatinumGames contribuiu apenas com a supervisão do novo design da jogabilidade, ao invés de tê-la feito em sua totalidade como em Automata.

O principal problema do combate gira em torno dos inimigos, que são repetitivos, pouco imaginativos e tem movimentos muito ruins. A principio, eles demoram demais para morrer sem apresentar desafio algum, principalmente quando estão com as armaduras. No fim do jogo, morrem em dois golpes e continuam não oferecendo nada em troca. Alguns combos são legais, o uso das magias também, mas você se sente jogando isso em um daqueles estandes de treino. Os chefes, por outro lado, já oferecem algo a mais. Com um modus operandi criativo sempre, eles servem para testar o jogador e podem trazer mais diversão para essa área carente do jogo.

Conclusão

Nier Replicant ver.1.22474487139… traz uma cara nova ao clássico cult dirigido pelo excêntrico e brilhante Yoko Taro. A narrativa é o ponto alto dessa jornada e se pudesse ser avaliada sozinha, garantiria as melhores notas possíveis para o jogo.

O combate sofre pelo tempo e limitações do orçamento, assim como o mundo pequeno e repetitivo. Algumas rotas parecem não valer tanto a pena e acabam cansando. No geral, é uma ótima experiência que fica com aquele gostinho de que poderia ter sido ainda melhor.

Prós

  • Gráficos modernizados e animações mais fluidas
  • Combate mais responsivo e sem problemas com a câmera
  • Narrativa experimental, intrigante e bem desenvolvida
  • Personagens fantásticos
  • Diálogos muito bem escritos

Contras

  • Inimigos repetitivos e com IA pobre
  • Repetição da travessia dentro de uma mapa pequeno irrita bastante
  • Missões opcionais tem design ruim e acrescentam pouco ao jogo

Nota: 8.0

Uma cópia do jogo para PS4 foi fornecida pela Square Enix para elaboração desta análise

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