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Análise | Outriders tem problemas técnicos graves, mas entrega jogabilidade divertidíssima

Lançar um looter shooter no mercado hoje é uma aposta extremamente arriscada. Já há colossos dominando o nicho, como Destiny e The Division, há dezenas de títulos genéricos competindo pelas sobras e, no geral, é dificílimo um game que precisa ter campanha, jogabilidade, aspectos técnicos e endgame de qualidade saia redondinho. O passado recente mostra que nem mesmo usando franquias consagradas como base há qualquer garantia de sucesso – Olá, Marvel Avengers.

Outriders fez questão de se vender como um jogo completo e se afastar do termo “jogo como serviço”. Apostou alto no Game Pass para criar engajamento. Entregou um produto que ,mesmo apresentando problemas enormes na frente técnica, é muito divertido. O resultado é um sucesso enorme, que supera jogos consagrados do gênero e tem um futuro muito interessante pela frente.

Campanha redondinha

No ano passado, tive o privilégio de entrevistar os desenvolvedores do jogo para o nosso parceiro, o Uol Start. Bartosz Kmita, diretor do jogo, me garantiu que Outriders não se tratava de um jogo como serviço. A campanha seria completamente jogável, tanto para um jogador quanto no modo cooperativo, com uma história fechada e nenhuma microtransação, passe de temporada, prêmios por loadings diários ou DLCs vendidas em lojinhas. Uma promessa que foi cumprida com louvor.

Embora a história presente na campanha do Outriders não seja brilhante e o ponto mais alto do jogo, é facilmente uma das melhores dentre os jogos desse gênero no mercado, perdendo, na minha opinião, apenas para a série Borderlands.

O conceito inicial é bem clichê. Os humanos devastaram o planeta Terra com a sua ganancia e anos de destruição dos recursos naturais e precisaram migrar para outro planeta em busca de sobrevivência. A arca, chamada de Flores, foi o veículo que levou as mentes mais brilhantes e vários sortudos. Obviamente não coube todo mundo e a maior parte da população humana pereceu junto com o nosso planeta.

O destino da humanidade agora era Enoch, um planeta à primeira vista bem parecido com a Terra, mas ainda sem nenhuma destruição. Um paraíso para um novo começo. Após anos viajando congelados, os Outriders, uma espécie de força militar humana para a colonização, desceu primeiro para garantir que tudo estivesse certo antes que os outros passageiros fossem liberados para iniciar a sua nova vida.

Nessa hora você já pode criar o seu personagem, que será um dos Outriders a fazer esse primeiro contato. A primeira crítica ao jogo da People Can Fly vem aqui. O editor de personagens é extremamente simples e genérico, com poucas opções de customização em todas as frentes. Nem mesmo as cores de cabelo tem um slider de RGB simples para permitir uma variedade maior. Em grupo, não estranhe estar exatamente igual ao personagem de um convidado.

O planeta Enoch parece realmente convidativo, com pradarias verdes e animais diferentes, porém inofensivos, mas isso é só o primeiro plano. Uma anomalia no planeta está causando tempestades poderosas que continuam a avançar.  No centro dela há um chamado indecifrável sendo captado pelos rádios. Na floresta em volta, há um vírus misterioso que está matando os enviados para a exploração. A vida selvagem não era tão pacífica.

Com um líder ganancioso como os que fizeram a Terra ir para o limbo, o processo de colonização e descongelamento do resto dos humanos é iniciado, mesmo a contragosto dos Outriders. O resultado é um desentendimento que rompe laços e inicia uma mini guerra civil que vai mudar tudo.

O seu personagem, ferido nesse conflito, é congelado novamente para não morrer. Acordado 30 anos depois do ocorrido, ele dá de cara com um mundo completamente diferente. A tempestade que se iniciou naquele passado agora distante já cobre a maior parte do planeta. Os humanos descongelados estão sem suprimentos e formaram facções que guerreiam brutalmente pelo que sobrou. As poucas cidades que restam abrigam apenas morte e pobreza. Todo mundo que você conheceu envelheceu e está marcado pelos conflitos e a falta de esperança. A vida selvagem do planeta foi modificada pela tempestade e está mais mortal do que nunca.

Atingido pela tempestade e transformado para sempre em um divergente, o seu personagem agora é a última chance da humanidade. Ele precisa seguir aquele sinal de rádio descoberto 30 anos antes e que continua ativo. Desvendar os mistérios do planeta e enfrentar os lordes da guerra que se formaram, e salvar os amigos que restaram para que não pereçam no fim que se aproxima.

A premissa te prende e os mistérios são interessantes de se desvendar, mas na prática a narrativa sofre com altos e baixos. O orçamento do jogo que precisa investir em todas as frentes mostra seus limites nas cutscenes, muitas com animações grotescas e finais encurtados que quebram bastante a imersão. Os diálogos também são bem inconstantes. Há momentos que surpreendem pela boa qualidade, e vários outros são tão “cringes” que te fazem dar umas gargalhadas. É engraçado como eles forçam os personagens a serem “edgy”, com frases de efeito e extremamente frios, mas em outras ocasiões os transformam em pessoas com algumas camadas interessantes de personalidade e fragilidades expostas.

Com um final bem ruim e sem grandes reviravoltas, não dá para dizer que é uma história que vai te marcar, mas contribui bastante para te prender na campanha junto à jogabilidade bem divertida. Dá para ver que rolou um esforço maior aqui do que geralmente se espera de um jogo desse tipo.

Mesmos acordes, sempre excelentes

O ponto alto do Outriders é a jogabilidade, que nem de longe é perfeita, mas é extremamente divertida e do ponto de vista do design de classes, inimigos e combate, coloca os rivais do gênero no chinelo.

Não há um sistema muito inovador que vai te fazer ficar de queixo caído, nem uma variação no design das missões que vai fazer o jogo se reinventar no decorrer das horas, mas a execução é tão interessante que vai te deixar com vontade de continuar jogando, minutos após fechar o jogo. É como ouvir os álbuns do AC/DC. Em qualquer disco você verá as mesmas progressões de três acordes, mas elas serão tão poderosas e empolgantes que ninguém reclama.

Em toda e qualquer missão que você fizer no Outriders, seja da campanha, dos objetivos secundários ou endgame, a progressão será exatamente a mesma. Você vai entrar na área e fatiar, fuzilar e derreter dezenas de inimigos. Não tem nenhuma missão diferente, nenhuma setpiece legal, nenhuma variação no núcleo da jogabilidade. A repetição ocorrerá quase que infinitamente, mas a progressão vai te fazer achar cada minuto fascinante.

O combate bebe de uma modinha moderna, que vem sendo cada vez mais usada. Mesmo sendo um jogo de tiro em terceira pessoa com a famosa cobertura para atirar, a premissa do combate vai tentar te jogar o máximo de inimigos possíveis, que vão encurtar a distância a todo momento e te obrigar a partir para cima também. A munição é farta, as habilidades são devastadoras e a forma de se curar é causando cada vez mais dano que os adversários.

Você já viu isso em outros jogos. Doom 2016 é o ápice desse design, onde cada inimigo inferior é um saco de munição ou vida para te deixar inteiro enquanto tenta derrubar um inimigo maior. O objetivo é te empoderar e fazer sentir como um heroi “fodão”. O que casa perfeitamente com o divergente modificado que o seu personagem se tornou aqui. Bloodborne é outro jogo que utilizou isso dessa forma. Sekiro também faz isso, mas em vez do foco na vida, usa o elemento genial de postura e aparar para forçar a agressividade.

No Outriders isso é feito com o design sensacional das classes. Cada uma delas tem uma forma de curar diferente. O Piromante atua em média distância, jogando habilidades de fogo que causam dano em área. Inimigos mortos com marcação dessas habilidades recuperam a vida dele. O Devastador, que usa o arquétipo de tanker (aquele que aguenta mais dano que os outros), constrói escudos de pedra e recupera vida ao matar inimigos em curtas distâncias. O Tecnomante é, na teoria, um suporte que utiliza tecnologia em combate, ataca de longe, incapacita inimigos e recupera vida de qualquer fonte de dano. Por fim, o Trapaceiro é a classe do dano, que bate rápido em curtas distâncias e tem excelente movimentação pelo cenário. Como não faz escudos por si só, ao abater um inimigo em curtas distâncias recupera tanto vida quanto recarrega o seu escudo de energia.

O ponto chave aqui é que cada classe possuí uma árvore de progressão específica, com várias ramificações que tornam a customização muito mais profunda. Imagine o jogo muito mais como o clássico Diablo do que um Destiny, por exemplo. Você libera várias habilidades, pode alocar três delas para utilizar em combate. Dependendo de como distribui os pontos nas árvores, pode transformar totalmente o arquétipo do seu personagem.

Além de tudo isso, há os modificadores que estão presentes em cada arma e cada peça do equipamento. Quanto mais rara a peça, mais numerosos e poderosos são os modificadores. São efeitos bizarros, desde ricochetear balas até transformar ainda mais as suas habilidades. Todas elas funcionam de forma extremamente divertida e você consegue mudá-las facilmente a qualquer momento. É como os modificadores do Diablo 3, mas conseguidos através dos próprios itens saqueados, em vez de nível e com muito mais variações.

As armas quebradas guardam os mods dentro do seu inventário e eles podem ser utilizados para sempre. Os saques viram uma diversão à parte por conta disso. Liberar todos os mods dentro dos três níveis é quase como jogar um Pokémon com os equipamentos. Você quer completar a coleção e descobrir o que os novos fazem. Além disso, modificar as armas é algo rápido e eficiente. É possível resetar a árvore de habilidades com apenas um clique e sem custo. Tudo para você criar builds insanas, que deixam cada jogador único.

A soma de tudo isso é uma customização e progressão com possibilidades quase infinitas, que tornam cada combate um laboratório de experiência. Com uma quantidade numerosa de inimigos, pouca preocupação com munição ou itens de cura, sua função é só aniquilar os inimigos de forma criativa. Um simulador de Sylvester Stallone, Arnold Schwarzenegger, Terry Crews, ou qualquer que seja o seu protagonista de filme de ação preferido.

E eu já falei que os designs dos conjutos e armas são incríveis? As lendárias então, nem se fala! Dá até pena de quebrar algumas armas e não raramente você vai tunar equipamentos ruins só para não jogar fora por conta do visual. Para um jogo em lançamento, é uma variedade que impressiona e não perde para títulos que estão há anos no mercado.

No caminho não se perde nada, porque o pessoal da People Can Fly também matou a pau nas opções de sistemas de qualidade de vida. Você pode configurar o seu auto loot para puxar itens só da raridade que você quer, e isso abrange todo o mapa. Com um botão, você obtém o que um amigo minerou de ferro longe de você ou o conteúdo de um inimigo que ficou para trás. Morreu? Todo o saque do chão vai direto para o seu inventário.

Eu joguei toda a campanha com um Tecnomante focado em pestilência, que causa veneno nos inimigos e os derrete à distância. Com armas de assalto e balas elementais, o meu dano com o tempo foi se tornando massivo. Ver o meu personagem se tornar em praticamente um deus de Enoch no campo de batalha, derretendo monstros gigantes ou dezenas de selvagens de uma só vez, fez a premissa do divergente poderoso cumprir seu papel ludo-narrativo.

Jogar com essa classe foi tão divertido que eu estou mais ansioso para tentar maximizar as outras do que de fato me aprofundar no endgame nesse primeiro momento. Para muitos jogadores, isso renderá centenas de horas, já que o fator replay é enorme.

Isso infelizmente causa problemas na outra ponta. Com o foco nas classes, habilidades e customização, as armas acabaram ficando sem o mesmo carinho. No ponto de vista do visual elas são sensacionais, principalmente as lendárias, mas na funcionalidade elas são apenas o feijão com arroz. Não há nenhuma arma com comportamento diferente da tríade Rifle de Assalto, Espingarda e Rifle de Precisão. Elas até variam na cadência de tiro e você tem um bom poder de customização dos seus atributos, mas nada mirabolante que faça atirar ficar tão legal quanto utilizar as habilidades em campo. Esse é um ponto que, inclusive, acho que a People Can Fly vacilou no conceito mesmo. Em um planeta alienígena, poderiam ter incluído inimigos nativos com armas diferentes e de funcionamento mirabolante, mas isso é provavelmente algo que esbarra novamente no orçamento.

Cada local tem um bioma

Outro acerto da People Can Fly que faz a repetição ficar muito mais tolerável é a quantidade de ambientes diferentes que foram implementados. Cada etapa do jogo se passa em um ponto de um mapa que vai se expandindo. Em um caminhão repleto de NPCs que servem vender itens, modificar equipamentos e lidar com todos os pormenores de gerenciamento, é como se você viajasse sempre com o Hub do jogo, sem precisar ficar voltando para cidades anteriores. Nesse sentido, uma aula para os loadings ridículos do Anthem e sua burocracia para buscar missões simples.

Pelo lado negativo, essas mudanças constantes são feitas com construções de níveis extremamente lineares, que nem sequer permitem muita exploração. Você passar por áreas em linhas até chegar no chefe, ver uma nova cutscene e embarcar para um nova região. O bizarro nisso é que você já deve ter visto nas redes sociais que há telas de loading para praticamente todo o acesso de áreas secundárias do mapa. Um pequeno pulo de um lado do penhasco para o outro cria uma animação totalmente desnecessária. Quem jogar nos consoles da geração atual ou em um PC com SSD vai ter um loading bem rápido e que só é meio vergonha alheia. Quem está nos consoles da geração passada, no entanto, vai sofrer mais.

O que faz tudo compensar e dar vontade de continuar para a próxima área é a variação de cenários. Cada novo ponto do mapa conta com um bioma próprio. Passei por neve, florestas, vulcões, tumbas antigas abandonadas, campos de guerra, desertos, é tanta coisa que nem dá para citar tudo. Em cada área você encontrará uma boa variedade de inimigos, sendo mais de 80 no jogo para serem enfrentados.

Com chefes que lembram os tempos em que a People Can Fly trabalhou na série Gears of War, o resultado é aquela empolgação constante para descobrir o que vem a seguir.

Problemas graves no lançamento

Se é um Looter Shooter, mesmo que com a maior parte do conteúdo independente do modo online, a certeza que você deve ter é que terá problemas graves no lançamento. Nem mesmo com diversas demos e testes a Square Enix conseguiu resolver as complicações nos servidores do Outriders, o que até o momento vem sendo um teste de paciência para os jogadores.

Nos primeiros dias as desconexões eram constantes e mesmo jogando sozinho era impossível continuar a campanha pela necessidade de estar sempre online, tudo por conta do sistema de verificação da própria Square Enix.

Não bastando as desconexões constantes, há problemas de crashes que estão infernizando alguns jogadores, especialmente no PC. A situação nesse caso chega ao bizarro, já que cada crash gera um log da Unreal Engine que é pesadíssimo e fica escondido em pastas ocultas. Um jogador relatou que estava com a pasta de logs pesando incríveis 23 GB.

O sistema de crossplay está totalmente quebrado. Uma dos motivos de eu estar empolgado para o jogo era fazer um cooperativo maroto com uns amigos que jogam no Xbox. No minuto em que você conecta com quem está no console alguém é desconectado. Só funciona entre Steam e Epic ou entre Playstation e Xbox.

O matchmaking feito dentro do jogo deixa pessoas aleatórias entrarem no grupo mesmo configurando uma chave de acesso. Ele também desconecta pessoas ao acaso e gera bugs diversos. A pior parte, é que pode deletar os seus itens no caso de queda no meio de missões. É tão quebrado que o melhor a se fazer no momento é jogar sozinho.

Do ponto de vista do balanceamento, se no jogo em si está bem legal, a diferença entre jogar em grupo ou sozinho ainda está longe do perfeito. Inimigos não erram tiro em você e como vêm aos montes e de forma extremamente agressiva, jogar sozinho pode ser um desafio enorme nos níveis de mundo mais altos. Esse sistema permite que você escolha o nível do mundo e configure a dificuldade do jogo, algo que funciona muito bem do ponto de vista do desafio, mas afeta também os seus saques. Sem subir o nível de mundo, a qualidade do itens é menor, o que pode frustrar alguns jogadores que não conseguirem avançar sozinhos.

Além disso, jogando em grupo é permitido ressuscitar os amigos, enquanto que sozinho não. Fica bem complicado equiparar o desafio assim. Eu terminei o jogo sozinho, mas em algumas partes penei bastante. Se não fosse a “build das balas” que utilizei, provavelmente teria levado muito mais que as 20 e poucas horas da campanha.

A saída de todos, então, é fazer as poderosas builds de munição elemental, que deixam o jogo tranquilo, embora a People Can Fly tenha nerfado isso já nesse começo de vida útil do jogo. Se vai jogar sozinho, terá que se desafiar.

O endgame ainda não empolga. As expedições te colocam em embates rápidos com ainda mais inimigos que o modo campanha. Para conseguir bons saques, equiparáveis à força do seu personagem, é preciso subir o nível das expedições e fazer isso sozinho é praticamente impossível. Sem um sistema de mundos como o da campanha, é extremamente frustrante agora que a build das balas vai diminuir ainda mais a força do personagem. Em grupo funciona bem e pode render muitas horas extras.

Conclusão

A People Can Fly acertou muito com a jogabilidade do Outriders e mesmo com o orçamento bem inferior aos concorrentes do mercado, entregou um produto que não só bate de frente, como supera os gigantes em vários pontos, o principal deles sendo a diversão. O problema é que nesse momento o jogo ainda tem muitas arestas na parte técnica para serem aparadas. Não dá para confiar nos servidores, o crossplay não funciona, há problemas de crash e risco de perder os itens obtidos.

Com tudo isso redondinho, é facilmente indicado para quem gosta do gênero e um jogo excelente para se jogar no Game Pass. Como Looter Shooter, é um jogo com muito mais conteúdo que o esperado e tem um futuro brilhante pela frente.

Prós

  • Sistema de combate divertido e moderno
  • Possibilidades de customização de build são praticamente infinitas
  • Variação de áreas aumenta vontade de continuar jogando
  • História mais trabalhada que o normal para o gênero
  • Campanha fechadinha, sem microtransações ou passes de batalha

Contras

  • Problemas graves com os servidores
  • Crossplay não funciona
  • Jogar sozinho pode ser extremamente frustrante devido ao desbalanceamento
  • Endgame precisa melhorar em variação e balanceamento dos itens obtidos

Nota: 8.0

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