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Análise | Watch Dogs: Legion é mais um “Ubi Game” sem muita alma

A Ubisoft sempre foi comedida ao tocar em assuntos da política moderna, na tentativa de nunca tomar lado em temas polêmicos, mesmo que abuse dos mesmos para fazer o marketing das suas obras. Dessa vez a gigante europeia decidiu dar um passo a frente e tomar partido.

Watch Dogs: Legion é ambientado em uma Londres distópica no futuro, com domínio de instituições privadas no poder que cerceiam os direitos dos vulneráveis e instituem um modelo de governo fascista. Na resistência e no controle do jogador está a DedSec, uma organização popular que tenta derrubar o regime vigente e reestabelecer a democracia, mas que tem sua reputação jogada na lama após um atentado.

Liberdade x narrativa

Em vez de um personagem que lideraria a revolução e contaria com um desenvolvimento de suas nuanças, Watch Dogs: Legion permite utilizar qualquer personagem que viva na sua representação de Londres. Pedreiros, executivos engravatados, policiais, todos servem de algum modo para o movimento.

Com o celular que permite invadir qualquer dispositivo, um recurso clássico da franquia, você consegue ver quem são essas pessoas e, mais importante para a jogabilidade, quais são as suas habilidades. Se por um lado isso cria uma liberdade ímpar para montar o seu grupo e decidir como abordar cada missão, por outro a narrativa é sacrificada. Com centenas de membros genéricos à disposição, fica inviável qualquer desenvolvimento de personagem no controle do jogador.

A tarefa de carregar a história aqui fica toda nas costas de vilões e antigos membros do DedSec e nesse ponto, onde não poderiam falhar, o desenvolvimento de personagem é superficial e binário. Maldades absolutas e personagens totalmente bons deixam a maior parte da trama previsível e por vezes sem graça. Há exceções, com alguns arcos de vilões tendo um clímax interessante e até deixam o jogador fazer escolhas difíceis, mas são uma raridade.

Os diálogos mais comuns, que rolam entre a equipe ou durante as missões com a IA chamada Bagley, também deixam muito a desejar. Embora tratem de temas relevantes e atuais, a abordagem é sempre simplista e binária, quase desesperada para sinalizar a virtude dos mocinhos e a vilania dos opressores. Por mais vezes que o necessário, ao invés de uma discussão profunda do tema, o que rolam são jargões e julgamentos típicos das relações líquidas das redes sociais, que, como sabemos, mais atrapalham a evolução das pautas do que de fato corrigem os erros da sociedade.

Por fim, a escolha do tema é interessante, mostra lado, mas é abordada de forma infantil e superficial na maior parte do tempo, o que acaba minando um proposta que talvez, em conjunto com uma jogabilidade tão livre, tenha sido muito ambiciosa. A narrativa definitivamente não é um ponto alto aqui.

“Ubi Game”

Os jogos da Ubisoft compartilham sistemas e fórmulas, o que deixa alguns, principalmente os Blockbusters como Assassin’s Creed, Ghost Recon e Watch Dogs, bem parecidos. De forma não muito carinhosa, os fãs apelidaram os títulos da gigante francesa de “Ubi Game”.

Watch Dogs: Legion não foge dessa regra. O mundo aberto e a ambientação são um ponto alto, padrão das franquias da Ubisoft. Londres aqui é bela e bem retratada com diversos pontos interessantes para se visitar. O problema está no já datado sistema de missões que a maior parte dos jogos da empresa utiliza. A invasão de bases, os distritos para serem libertados e os pontinhos no mapa são o que você espera de um Ubi Game.

Em determinados momentos tive as minhas piores lembranças de Ghost Recon Breakpoint. Independentemente do que está rolando na narrativa, praticamente todas as missões serão completadas com a invasão de alguma base inimiga no mapa. O objetivo às vezes varia: invadir um computador, roubar algo, libertar alguém, mas a dinâmica é sempre a mesma.

Com o tempo vai ficando muito cansativo e mesmo que você siga apenas as missões principais, é difícil conseguir aguentar longas horas de jogatina por conta da repetição. Vale lembrar que esse ainda é um jogo da era Tommy François, líder criativo da Ubisoft que foi demitido por conta dos escândalos de abuso sexual e assédio nos últimos anos da empresa. A visão dele era bem definida para os jogos da Ubisoft e muitos projetos chegaram a ser cancelados por não seguir esse padrão. Quem sabe de agora em diante as coisas mudam e veremos mais novidades na fórmula já batida dos títulos da Ubisoft.

Recrutamento de Agentes é a grande novidade

O grande ponto positivo do jogo, mesmo que cause alguns efeitos colaterais em outras áreas, é a possibilidade de recrutar novos agentes para o DedSec. Cada personagem ter as suas habilidades dá uma versatilidade bem interessante para a jogabilidade.

Ao recrutar um agente que trabalha uniformizado, um policial da maligna Albion, por exemplo, é possível adentrar bases inimigas sem ser notado. Isso vale para pedreiros em obras, médicos em hospitais e assim por diante.

Para enfrentar missões onde o objetivo é vencer um combate mano-a-mano, você pode recrutar um agente que é bom de briga, seja andando casualmente na rua, ou após enfrentá-lo em um torneio de lutas clandestinas.

Para recrutar um agente é preciso primeiro convencê-lo de que o DedSec faz algo bom para a cidade e depois realizar uma missão que resolve algum problema desse personagem. Essas missões são criadas de forma aleatória e não escapam muito da fórmula das outras, de invadir um local e realizar um pequeno objetivo.

O interessante é que há uma certa conexão entre os personagens da cidade, criada de forma artificial, claro. Um agente que você recruta tem conexões, como família, antigos amigos ou companheiros de trabalho. Ao andar por Londres você pode encontrá-los e fica mais fácil recrutá-los para o seu time. Se você faz algo de ruim para uma pessoa, pode acabar fazendo com que outras fiquem indignadas por conta dessas mesmas conexões.

Esses sistemas que ligam os personagens da cidade dão certa vida a ela. Também é possível ver eventos aleatórios, como sequestros de membros do sua equipe, batidas de carro que geram brigas, confrontos entre os policiais e os moradores da cidade. A sensação é de um ambiente orgânico, com vida própria, que aumenta a imersão e deixa a exploração sempre com algo interessante para se ver.

Por outro lado, o sistema limita muito a progressão dos seus agentes. A árvore de habilidades existe para todos os personagens ao mesmo tempo e permite melhorias em hacks e algumas armas genéricas. Não dá para equipar o personagem que você quer com muita coisa, além daquilo que está disponível no início. Tudo fica nas costas das habilidades que os próprios personagens já possuem, não podendo ser melhoradas ou substituídas por outras, o que é um pouco frustrante.

Se o jogador preferir, há a opção de que a morte dos agentes seja para valer, sem ter como recuperar o personagem. Embora seja arriscado, é definitivamente o modo mais divertido de jogar, já que força a fazer as melhores escolhas para cada cenário que o jogo oferece.

Já a parte dos cosméticos surpreende de forma positiva. Há centenas de opções de vestuário, que servem para suprir os mais diversos estilos, seja pela idade, ideologia ou profissão. Com exceção de alguns exemplares que só podem ser comprados com dinheiro real na loja da Ubisoft, a grande maioria dessas roupas são adquiridas com dinheiro obtido em jogo, de forma até bem fácil.

Entretanto, a aparência dos personagens é imutável. Não dá para fazer um corte de cabelo diferente, ou colocar uma barba em alguém. A única coisa que identifica o seu agente são as roupas.

Outra área que sofreu com essa enormidade de opções de personagem foi a dublagem. Como é impossível ter um dublador para cada morador de Londres, muitas vozes se repetem. Para piorar, em alguns casos o dublador força uma entonação diferente e nem sempre funciona, dando até uma vergonha alheia em alguns diálogos.

No fim fica difícil definir se o saldo dessa opção pelos agentes é positivo ou negativo. Há uma injeção de liberdade na jogabilidade, deixando-a única, e a iniciativa é inovadora, mas por outro lado ela causa muitos problemas em outras áreas. Vai depender do estilo de cada um.

Ray Tracing e DLSS

Imagem

Para quem vai jogar nos PCs, o Watch Dogs Legion conta com suporte às tecnologias mais avançadas da Nvidia, o Ray Tracing e o DLSS. O primeiro deixa tanto a iluminação quanto as sombras geradas em tempo real, o que aumenta o nível de realismo e deixa o jogo com cara de nova geração. Poças de água, placas de neon e principalmente a noite de Londres vão ficar mais bonitas do que nunca.

Como o Ray Tracing é pesado, o jogo também usa o DLSS, que é uma tecnologia de reconstrução de imagem para deixar o jogo mais leve. Sem perder qualidade de imagem, o ganho de quadros é enorme e viabiliza utilizar os efeitos mais pesados mesmo em algumas placas menos poderosas.

Para usar esses dois recursos, é preciso utilizar uma placa da linha RTX da Nvidia. O resultado é impressionante.

Conclusão

Watch Dogs: Legion é ambicioso e arrisca tanto na jogabilidade quanto na narrativa. Dessa vez a Ubisoft não teve medo de tomar lado, mas pecou bastante na abordagem dos temas. Já na jogabilidade vemos um problema antigo, que é a repetição de missões e a fórmula batida de mundo aberto que a empresa usa há tempos. O sistema de recrutamento de agentes é interessante e inovador, mas prejudica outras áreas sensíveis do jogo, o que acaba deixando a experiência com um gostinho amargo.

Prós

  • Ambientação fiel e bela de Londres
  • Sistema de recrutar agentes deixa a jogabilidade dinâmica
  • Dirigibilidade de veículos e combate não comprometem o jogo

Contras

  • Narrativa sofre por conta da falta de personagens marcantes
  • Temas são mal explorados
  • Repetição de missões deixa o jogo cansativo
  • Progressão limitada dos personagens
  • Dublagem sofre por conta da premissa

Nota: 7,0

Uma cópia de Watch Dogs: Legion para PC foi fornecida pela Ubisoft para elaboração desta análise.

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