Análises

Chakan: The Forever Man

Eu lembro a primeira vez em que vi a caixa do “Chakan” na locadora, que me chamou logo a atenção pelo sua aparência demoníaca. Aluguei o game, chamei os amigos e fomos jogar, e eis que a decepção apareceu: eita joguinho difícil da porra! Era uma vitória bastante festejada quando alguém conseguia ir um pouco mais longe, mas nunca nem chegamos na metade do game. Aluguei ele diversas vezes, mas nunca consegui terminá-lo, só anos depois, através das facilidades de um emulador.

Se hoje games de terror são fáceis de encontrar, há 20 anos a disponibilidade deles era bem mais escassa, mas tínhamos algumas opções, como no caso de “Chakan: The Forever Man“, título baseado no personagem de quadrinhos homônimo, criado por Robert Kraus. O projeto do game começou quando Ed Annuziata, um game designer da Sega na época (trabalhou nos game “Spider-Man vs The Kingpin” e nos dois “Ecco: The Dolphin“), encontrou Kraus em uma convenção de quadrinhos, com a proposta de realizar um jogo em seu personagem. Kraus ficou interessado e até ajudou no desenvolvimento do game, desenhando esboços para os personagens e inimigos. O resultado final foi um título que não obteve um grande sucesso comercial, mas que chamou a atenção pela sua atmosfera bastante macabra e sombria, coisa que não era muito comum na época de nuvens sorridentes do Mario ou florzinhas coloridas do Sonic, e pela sua dificuldade pior do que o cão chupando manga!

arte conceitual feita para o game pelo seu criador

Desafiando a Morte

A introdução nos apresenta o destemido Chakan, um cara que poderia trabalhar como sósia do Eddie, mascote do Iron Maiden, mas que aqui no game é conhecido como um poderoso guerreiro com poderes alquimistas místicos. Não havia adversários para ele, até que um dia tomado pela confiança de suas habilidades e poder, bravejou que a própria Morte cairia sob as suas espadas. A própria apareceu e aceitou o desafio, fazendo uma aposta: se ele vencesse, ganharia a vida eterna, mas se ela fosse a vencedora, a alma de Chakan seria dela para fazer o que bem quisesse. O duelo levou dias, mas Chakan saiu vitorioso, e assim a Morte deu-lhe seu prêmio: a imortalidade.

Chakan desafia a própria Morte e vira o “homem eterno”

Mas com a Ceifadora não se brinca, e pela sua arrogância, a Morte lançou uma maldição em Chakan: sua aparência teria agora forma cadavérica, e ao cair de toda a noite, sua alma seria atormentada por espíritos malignos e do sofrimentos de todas as suas vítimas. Agora a vida eterna não parecia tão atraente para Chakan. Mas a Morte ofereceu uma alternativa: se ele matasse todo o mal sobrenatural dos planos elementais, ela concederia o descanso eterno ao guerreiro. E assim, por mais de mil anos, Chakan tem caçado espíritos malignos, quando agora resta somente quatro dos planos elementais Terra, Fogo, Água e Vento.

Desafiador mesmo para os mais habilidosos

E a partir deste ponto começa a sua aventura amaldiçoada. Esse introdução nos é mostrada após um uivo horripilante já no logo da Sega, seguida por um som tribal com batidas de tambores africanos e relâmpagos, que já deixam o jogador no clima tenso de horror que o jogo transmite. Show de bola! O início é em um plano multidimensional de portais, com o cosmos do tempo e espaço se movendo ao fundo. Cada portal é uma entrada para diferentes mo-mo-monstros sobrenaturais que Chakan deve destruir, primeiramente no plano terreste, e depois no plano elemental. Cada portal possui cerca de três fases, sendo a última a batalha com o chefão, num total de 24 longas fases. Elas podem ser jogadas em qualquer ordem, mas calma lá, se você não quiser sofrer uma tortura terrível com a dificuldade do game, é preciso encontrar certos itens ou magias, para poder avançar mais facilmente. Por exemplo, a fase do plano do Fogo não pode ser completada sem o uso do gancho, que é encontrado na dimensão da Água, e assim por diante.

Como você é imortal, não há número de vidas e nem tela de Game Over, mas não pense que será fácil, pelo contrário, o jogo é absurdamente difícil. Sua arma principal são as duas espadas, que ao segurar o botão de ataque, podem ser direcionadas para qualquer posição para acertar inimigos, um comando bastante útil contra adversário mais fracos, como morcegos e criaturas pequenas. Com o pulo duplo, Chakan rodopia com as espadas (pode ser usado para rolar no chão também), em outro movimento de ataque que poderá salvar sua vida em momentos cruciais. O personagem pode usar quatro outras armas encontradas ao longo do jogo: um Martelo, uma Foice, um Machado e um Gancho. Apesar de mais fortes, as outras armas não são tão versáteis como as espadas – não dá pra fazer pulo duplo com elas e não atacam em todas as direções – sendo recomendadas apenas para abrir passagens nos cenários ou contra chefões.

Apesar de parecer meio desengonçado, Chakan é um personagem ágil e os comandos são rápidos e precisos, apesar de não seguirem o estilo tradicional de jogos de plataforma, o que vai exigir um pouco de treino até você se acostumar bem. Sendo um bom alquimista, Chakan pode coletar poções, que quando combinadas proporcionam ao personagem novas habilidades, como invencibilidade, pulo mais alto, recarregar sua energia ou deixar suas espadas fumegantes de fogo ou com poderes de gelo. São quatro poções de cores diferentes e é possível carregar quatro de cada, num total de 15 poções que podem ser combinadas. Sabe-las usar bem é fundamental para se avançar no jogo. Não se engane, teste todas e saiba usá-las no momento certo (elas são limitadas), caso contrário não irá muito longe.

Ao perder toda a sua energia, ou quando acabar o tempo da ampulheta, você é mandado de volta para o “plano central” onde pode escolher outra fase, ou tentar novamente aquela em que estava – voltando desde ao início, é claro, e sem os itens que duramente coletou. O design das fases são bem elaborados, elas começam simples e lineares, mas ao longo do jogo vão ficando mais difíceis e se transforam em labirintos complicados que vão testar a sua paciência. Há inimigos em lugares estratégicos, como na ponta de um precipício em que você tem que pular, e se não tiver o item certo ou uma magia útil, é morte na certa. Há vários desses momentos “injustos” no decorrer do game, em que você morrerá não por um erro seu, mas pela situação aparentemente impossível de passar. E só após várias tentativas e erros e mortes, você eventualmente vai acabar descobrindo como passar aquela área infernal. Esse é o castigo de se controlar um personagem imortal.

Aliás, “injusto” parece ser uma palavra adequada para definir este jogo. Após passar por 24 torturantes fases, você pensa que finalmente chegou ao final do game (bem fora dos padrões, por sinal), mas então após os créditos há mais um chefão e você tem apenas uma chance para derrotá-lo – se conseguir, uma ampulheta vai aparecer na tela, espere por uns 20 minutos sem apertar nada para ver os dizeres finais finalmente.

Graficamente “Chakan” não é extraordinário, mas em determinados momentos é bem caprichado. Numa coisa acertaram, do começo ao fim ele tem um clima sombrio, passando por castelos, cavernas, mares, montanhas, vulcões e até a boa e velha fase de gelo escorregadia está presente. Os cenários são variados com características que representam os quatro elementos, e a repetitividade apenas acontece porque morremos muito num local até conseguir passar. Destaque para o design artístico dos inimigos, criaturas e monstrengos horripilantes que farão qualquer coisa para impedir o seu avanço.

A trilha sonora é muito boa e se encaixa perfeitamente com a atmosfera sombria e de tensão existente praticamente no jogo inteiro. Alguns temas são ótimos, como a Dragonfly King Theme, mas alguns são mais chatinhos, especialmente por você ter que voltar várias vezes numa mesma fase. Os efeitos sonoros complementam bem o pacote mórbido, com sons de gritos e barulhos horripilantes que ajudam a manter o clima.

“Chakan” teve ainda uma versão bem bacana para o Game Gear, igualmente difícil, e chegou perto de ter uma sequência no Dreamcast, que acabou sendo cancelada, mas reza a lenda que muito do material feito para ele foi utilizado posteriormente em “Blood Omen 2: Legacy of Kain“.

Márcio Pacheco

Márcio Alexsandro Pacheco - Jornalista de games, cultura pop e nerdices em geral. Me add nas redes sociais (links abaixo):

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