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Introdução a teoria narrativa nos games

Muito mais antiga do que se possa imaginar, a narrativa sempre esteve presente no mundo do entretenimento eletrônico, mesmo em um período em que os games não possuíam storylines complexos, cut scenes cinematográficas e afins. Ora, é possível encontrar narrativa em jogos que não possuam uma linha sequer de storyline.

Para compreender um pouco melhor acerca de como a narrativa está presente e é aplicada nos games, darei início a uma série de textos que possuem o foco nesse assunto. Tentarei tratá-lo da maneira mais simples e intuitiva o possível.

Vale lembrar também que minha base para esses textos é o livro “Rules of Play” (Regras do Jogo), de Erik Zimmerman e Katie Salen, somados a interpretações pessoais acerca do tema. Esse livro é um dos mais recomendados para quem quer se aprofundar em estudos de game design e é enorme. Felizmente a versão traduzida para nossa língua, além de contar com uma boa tradução, foi dividia em quatro volumes (imagem abaixo), cada qual se focando em um grupo de assuntos em específico. O volume que trata de questões mais lúdicas, o que envolve narrativa, é o terceiro.

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Comecemos hoje a compreender as estruturas narrativas que compõem, como um todo, a narrativa de um produto do entretenimento eletrônico.

Em suma, podemos encontrar duas linhas narrativas distintas em um jogo: a Narrativa Embutida e a Narrativa Emergente.

A Narrativa Embutida contém a história pré-definida que o jogo quer contar, ou seja, o roteiro fixo do game. É composta por dois eixos narrativos distintos que se complementam: o eixo de Ordem das Ideias e o eixo das Experiências Sensoriais.

O eixo de Ordem das Ideias é basicamente a narrativa encontrada em obras literárias. Ele se foca única e exclusivamente no encadeamento lógico dos acontecimentos retratados na história a ser contada. Quaisquer outras questões são de interpretação absolutamente pessoal, por mais que sejam descritas com esmero. Por exemplo, por mais que se descreva como é a aparência de um personagem, duas pessoas poderão imaginar dois personagens absolutamente diferentes e que possuam as mesmas características descritas pelo autor. O mesmo não pode ser feito com a história em si, que possui a mesma progressão para quem quer que esteja lendo o livro.

O eixo das Experiências Sensoriais amplia o eixo anterior, trazendo consigo todo o pacote sensorial junto à história. Esse é o eixo encontrado no cinema, em HQs e afins. Além do storytelling, essas mídias entregam ao usuário toda a experiência audiovisual bem definida. Dessa forma, ao contrário do que ocorre em um livro, que somente se utiliza do eixo anterior para compor sua narrativa, aqui não é possível que duas pessoas possuam diferentes noções acerca da caracterização de personagens, de ambientes e afins.

A Narrativa Emergente, conhecida também por Ludonarrativa, conta com somente um eixo narrativo, mas que é, até o momento, exclusivo dos jogos: o eixo da Interatividade.

O eixo da Interatividade trata do desenvolvimento narrativo diretamente ligado às ações realizadas pelo jogador ao longo da jogatina.

Importante compreender que o ato de tomar decisões pré-determinadas é algo bem diferente do que o eixo da Interatividade significa. Decidir entre duas escolhas que o jogo propõe e seguir com os eventos que tal decisão trazem como consequência está ligado ao eixo de Ordem das Ideias, portanto, é narrativa Embutida.

Narrativa Emergente trata dos acontecimentos diretamente ligados as ações do jogador, tomadas livremente ao longo da jogatina. É a história que cada jogador constrói ao longo do jogo, se utilizando dos recursos de gameplay do mesmo.

Tomemos um simples exemplo para elucidar melhor a questão da Narrativa Emergente.

Sonic the Hedgehog é um jogo que possui Narrativa Embutida quase nula. Em resumo, Sonic tem de derrotar Eggman e libertar os animais aprisionados. Ao longo das fases não há uma linha de roteiro, apenas Sonic atravessando todas as fases do game em alta velocidade.

Entretanto, enquanto Narrativa Emergente, o jogo se torna diferente para cada gamer. Ao atravessar a primeira fase, enquanto um jogador passa por mais loops, derrota poucos inimigos e a completa rapidamente; outro jogador passa mais tempo derrotando inimigos, coletando rings e leva mais tempo para finalizar a mesma fase.

A história do “atravessar a primeira fase de Sonic” foi diferente para cada gamer, mesmo que o jogo seja exatamente o mesmo.

Essa peculiaridade e complexidade que a Narrativa Emergente traz é um dos principais motivos pelos quais o entretenimento eletrônico é tão único e ajuda a explicar o porquê de se jogar um game ser uma experiência tão mais pessoal e introspectiva do que assistir a um filme ou ler um livro. Deixando claro, antes dos eventuais “mimimis”, que com essa minha afirmação não estou minimizando nenhuma mídia, mas sim dando minha visão pessoal acerca a questão.

Enquanto a Narrativa Emergente basicamente define o que é um jogo, ao longo do ciclo de vida dos videogames a Narrativa Embutida vem galgando um espaço cada vez mais importante na indústria do entretenimento eletrônico. Atualmente é quase impossível encontrar um game que possua foco exclusivo na Narrativa Emergente, como era absolutamente normal em períodos embrionários da indústria.

É de extrema importância para uma equipe de desenvolvimento trabalhar de maneira harmônica os dois tipos de narrativa, pois isso será determinante para a imersão do gamer no universo proposto pelo game. Bons e maus exemplos para tal não faltam, bem como problemas bem específicos surgem quando ambos os tipos narrativos não “conversam”. Mas deixemos tais questões futuros textos.

Espero que essa pequena exposição acerca de um tema tão mais abrangente e tão importante no mundo dos games tenha sido produtivo, assim como espero que o mesmo tenha demanda o suficiente para mais artigos que deem continuidade ao assunto aqui iniciado.

Uma boa jogatina a todos!

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Eduardo Farnezi

De volta como contribuidor freelancer do site GameHall, um dos fundadores do não mais existente blog Canto Gamer, fundador do blog Gamerniaco e ainda atuante nos projetos do grupo Game Champz e Agência Joystick. Gamer por paixão, cinéfilo por vocação, leitor de mangás e HQs por criação e nerd pela somatória dos fatores. Acredita que os únicos possíveis cenários de apocalipse são Zumbis e Skynet e não sai para noitadas por medo do que Segata Sanshiro pode fazer se encontrá-lo.

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