Análises

Rule of Rose

Rule of Rose

De tempos em tempos, somos presenteados com obras que saem do meio comum, extrapolam por assim dizer, mas de uma maneira positiva, rejeitando a mesmice e apresentando novos conceitos e meios distintos de se ler, assistir ou jogar algo. Journey e ICO são exemplos claros e podemos categorizar Rule of Rose dessa maneira, mesmo que isso não implique a mesma competência e qualidade dos dois representantes citados acima.

Once Upon a Time

O jogo da Punchline inicia-se em um ônibus, onde a tímida e fraca Jennifer desperta de seu sono profundo, com um garoto entregando a protagonista um livro e pedindo que ela leia. O garoto então sai correndo do ônibus e Jennifer tenta alcança-lo, nesse meio tempo seu único meio de transporte parte, deixando a protagonista perdida, sozinha e com um livro em branco em suas mãos.

É assim que se inicia uma das experiências mais intrigante, imersiva, profunda, complexa, confusa e ao mesmo tempo bizarra e pesada. Jogar Rule of Rose é uma experiência totalmente única para cada pessoa, pois a trama é muito interpretativa, sendo que cada um interpretará de sua forma, terá dúvidas próprias a respeito do universo da série e tirará suas próprias conclusões.

O enredo confuso incita ainda mais o senso investigativo e dedutivo do jogador, já que nada é apresentado de forma clara e em muitas vezes, nem mesmo uma linha de tempo certa é seguida e isso não é uma falha de roteiro, é proposital e somente aqueles que tiverem paciência e perseverança conseguirão aproveitar esses elementos.

Tudo fica ainda mais instigante com a história psicótica, pesada e complexa que se desenvolve em frente aos jogadores, abordando ainda alguns fatos sensitivos a sociedade, como bullyng e sexualização de menores. Não, Rule of Rose não apresenta cenas de sexo com menores nem nada do gênero, mas não tem medo de abordar esse e outros temas e faz isso de forma categórica, sútil e apenas explicita em poucos momentos, o que gerou muita polêmica, algo que comentarei mais a frente.

Os personagens são outro claro exemplo da bizarrice de Rule of Rose, com personalidades totalmente distorcidas, a começar por Jennifer que é tímida e uma pessoa extremamente fraca, incapaz de reagir aos abusos e manipulações dos membros do clube Red Crayon Aristocrats (Aristocratas do Giz de Cera Vermelho), formado pelas crianças do orfanato Rose Garden, um dos primeiros cenários do jogo. Os demais “representantes do elenco de Rule of Rose” não ficam atrás, cada qual com características únicas que os tornam tão bizarros quanto a trama em si e, em alguns casos, até assustadores para o jogador, por estereotiparem personalidades existentes dentro de nossa sociedade.

Fica difícil explicar sobre a trama de Rule of Rose, não somente pela questão dos “spoilers”, mas por se tratar de uma experiência interpretativa e apesar de ser confusa em muitos momentos, é muito gratificante a quem estiver disposto a vivencia-la; não cabe a mim expor os fatos de Rule of Rose, cada jogador deve vivenciar e interpretar a história pelo seu ponto de vista. É, no entanto, seguro falar que para aqueles que desejam entender e aproveitar tudo que a obra tem a oferecer deve atentar-se a todos os elementos do cenário, pequeníssimas dicas fornecidas ao jogador e jamais menosprezar as cenas de corte, mesmo que elas pareçam totalmente inúteis e irrelevantes.

Vale um adendo final, Rule of Rose mostra uma trama confusa, complexa e extremamente pesada, tocando em vários assuntos delicados. O “aproveitar ou não essa experiência de jogo” está condicionado ao quão aberto o jogador é, caso você não seja fã de jogos com terror psicológico e survivor horror ou até mesmo não seja flexível para lidar com assuntos pesados e delicados, Rule of Rose não é um jogo indicado para você, portanto, passe longe.

Criativa e problemática

A experiência de Rule of Rose é algo como uma relação de “amor e ódio”, se você não for preconceituoso e flexível, irá amar a extensa aventura do game da Punchline, mas também irá sentir um ódio mortal acompanhado daquela vontade de “destruir o controle”.

O game revive o clássico estilo Survival Horror, com visão em terceira pessoa e ângulos de câmera já pré-definidos, ainda que haja um botão para rotacionar a câmera, permitindo que a visão do jogador não fique encoberta. Apesar de reviver o sistema clássico imortalizado por Resident Evil, Rule of Rose conta com algumas novidades bacanas.

Durante a aventura o jogador precisará, em muitos momentos, procurar por presentes para ofertar ao clube dos Aristocratas, que disponibilizarão através de um cartaz o “presente do mês”. Para conseguir achar esses presentes o jogador deverá contar com a ajuda Brown, um fiel Labrador que não é somente será de grande ajuda mas também será um dos importantes elementos para a trama de Rule of Rose.

Com Brown é possível achar diversos itens escondidos pelos cenários, já que ele pode usar seu poderoso faro para encontra-los, para isso basta dar um item para que ele sinta o cheiro e imediatamente ele começará a procurar por pistas referentes ao item que você deu a ele.

Outro aspecto importante de jogos survival horror é representado de forma digna, que são as centenas de puzzles presentes no game. São vários, desde a achar a chave para abrir determinada porta como revisitar vários cenários em busca de uma pista para poder avançar na trama, encontrar meios distintos de avançar sobre obstáculos e descobrir formas de adquirir determinados itens. Como de praxe do gênero nem todos os puzzles são intuitivos, mais um motivo para Rule of Rose ser um jogo para um público bem específico. Um exemplo disso é um dos capítulos – a trama é divida em capítulos – onde o jogador precisa descobrir combinações de senhas para abrir algumas caixas, algo que muita gente pode ficar travada dada a escassez de dicas para algumas combinações.

No seu andar em busca de soluções para os pluzzes e presentes para o clube dos Aristocratas o jogador encontrará os Imps, que são os inimigos do jogo que tentarão “impedir” o avanço do jogador. O destaque para a palavra impedir” não é feito à toa, quando o jogo apresenta os Imps ele faz essa citação aos mesmos, entender o significado do porque eles são mencionados como “aqueles que tentarão impedir o avanço de Jennifer” ao invés de “aqueles que tentarão matar Jennifer” é um elemento importante para melhor compreensão de muitos aspectos importantes da história e com certeza aguçará o senso dedutivo de cada um para relacionar outros fatos; isso é uma das amostras da complexidade do enredo de Role of Rule.

Infelizmente, os Imps não são somente relacionados a pontos importantes da história, mas também àquele sentimento de ódio que citei acima. Esse sentimento é devido aos controles do jogo que são, sem cerimonias, horríveis e falhos. Controlar Jennifer em alguns momentos é frustrante, principalmente na hora dos combates, onde devemos enfrentar os Imps, que são sem dúvidas as horas mais torturantes de Rule of Rose.

Jennifer é fraca e totalmente inábil além de ser lenta. Para piorar a situação, todas as armas disponibilizadas ao jogador são as chamadas “armas brancas”, ou seja, armas de curto alcance como facas, bastões, machados, etc. Isso acaba expondo demais a protagonista e como os controles também não ajudam, tudo acaba virando uma sessão de exercício de paciência.

É preciso ter muita, mas muita paciência para não soltar aquelas palavras que nossos pais tanto nos diziam para não falar quando éramos pequenos e nem mesmo a ajuda de Brown é suficiente nesses momentos; ele pode afugentar alguns Imps e até mesmo distraí-los para Jennifer.

Sim, eu entendo perfeitamente que a ideia de um game ao estilo “Survival Horror” é o foco na sobrevivência, tentar sempre fugir ao invés de encarar as situações de perigo de peito aberto, mas nada disso é desculpa para os controles bisonhos desenvolvidos pela Punchline. Controlar Jennifer nessas horas deveria ser mais confortável, prático e eficiente, principalmente porque há momentos que não há como fugir dos inimigos, como em algumas salas do game e contra os chefes. Nessas horas é comum se deparar com a tela de Game Over, não pela dificuldade dos chefes e inimigos, mas pelos controles falhos, o que eleva a frustração e raiva ao limite.

Outro ponto que prejudica demais a experiência de jogo são os constantes carregamentos, basta abrir uma porta e lá vem um famoso “Loading”, algo aceitável na primeira plataforma da Sony, mas imperdoável para um jogo de Playstation 2. Esses carregamentos excessivos prejudicam um dos aspectos mais importantes para se entender a história do game, que é a exploração do cenário em busca de pistas e cenas inéditas, já que depois de um tempo é muito cansativo explorar os vastos cenários, ainda mais se considerarmos que muitos deles se tornam verdadeiros labirintos e os mapas encontrados não são de grande ajuda.

Os defeitos na jogabilidade não chegam a manchar o impecável trabalho realizado no roteiro e enredo de Rule of Rose, mas prejudicam a obra como um todo e atrapalham a experiência dos jogadores, já que um “game” não é composto só por uma excelente história, mas também por mecânicas de jogo e aspectos técnicos como gráficos e sons, se um deles falha miseravelmente prejudica diretamente os demais.

Fator Replay

O fator replay de Rule of Rose mais uma vez remete a como os jogadores vivenciaram o jogo em si. Caso tenha sido prazeroso e a jogabilidade travada foi suportável, então o fator replay é imenso já que há dois finais distintos e revisitar toda a aventura é de extrema importância para tentar absorver ainda mais todos os detalhes da narrativa e história de Rule of Rose. Vale citar as roupas desbloqueáveis para Jennifer e Brown, algumas bem exóticas e outras bem criativas.

Do contrário, não há muitos motivos para uma segunda rodada, ainda mais para aqueles que não gostaram do enredo ou não suportaram as falhas nos controles.

Polêmicas

Rule of Rose foi proibido em alguns países, acusado de incitar a violência física e sexual contra menores de idade. A mídia especializada também se dividiu, alguns ovacionaram o terror psicológico e a trama psicótica de Rule of Rose, outros condenaram o jogo pelas suas falhas e narrativa confusa.

De uma forma ou de outra, é seguro dizer que referente às acusações elas são precipitadas e de certa forma injustas, vindas de pessoas incapazes de abstrair a essência do que é apresentado e se atentando somente a poucas cenas de uma longa jogatina de mais de 8 horas; é como julgar o livro somente pela capa sem realmente entender seu conteúdo.

Sim, há algumas cenas eróticas envolvendo menores, mas de forma alguma são cenas incentivando a sexualização de crianças. É preciso sempre ter muito cuidado ao julgar precipitadamente o que lemos ou vemos, pois o mundo é vasto e a opinião de uma pessoa é completamente diferente da outra, logo sua visão de certo ou errado é relacionada a seu ponto de vista, o que para muitos pode ser uma cena de incitação a violência para outros pode ser um pequeno detalhe de algo muito maior, que é o caso de Rule of Rose.

Os jogadores maduros e de mente aberta conseguirão abstrair isso e vale sempre lembrar, tudo em Rule of Rose é muito subjetivo e interpretativo, logo é errado tomar para si que sua conclusão sobre o universo do game é a certa e a dos outros errada, seja para bem ou para mal.

Falhas e acertos

Novamente vemos a inconstância da Punchline, eles foram capazes de produzir um roteiro excelente, com alguns elementos criativos na jogabilidade, mas falharam miseravelmente nos controles. O mesmo acontece nos aspectos técnicos, à trilha sonora é de primeira linha, mas faltou capricho nos gráficos e a dublagem americana é deplorável.

Começando pelos gráficos, que são escuros e muito cinzentos. Sim, é um clima apropriado a um jogo de terror, mas nada disso justifica a falta de zelo na criação de cenários e detalhes. Os cenários são populados, mas dificilmente agradarão ou marcarão o jogador, você vai do início ao fim da aventura e somente dará importância a elementos que realmente interessam a trama em si, o resto saíra rapidamente de sua memória.

Os Imps pecam por contarem com modelagens pobres e algumas texturas do jogo são feias. Fato positivo fica para os personagens principais, que receberam atenção que o resto dos gráficos deveria receber, mas marcam mais por suas presenças e personalidades do que por seu visual propriamente dito.

As animações são esquisitas e mal feitas em boa parte do jogo e ver os inimigos caindo e “sendo empurrados por Jennifer durante a queda por não haver espaço suficiente para ambos” é realmente desapontador, ainda mais por se tratar de um jogo para uma plataforma relativamente forte para sua época. Podemos dizer que Rule of Rose é um jogo com gráficos razoáveis, mas com muitas falhas.

Os efeitos sonoros são apenas medianos e a dublagem americana é horrorosa, talvez por isso o jogo conte com mais diálogos com apenas textos, sem o áudio da dublagem. Não tive acesso a versão japonesa nem consegui vídeos do áudio em japonês para comparar.

Felizmente, a alguns fatores para ajudar no fraco desempenho técnico, como as cenas em CG, que são belíssimas, deixando o jogador na expectativa de “quando será a próxima cena de corte”. A trilha sonora é outro aspecto excelente, sempre com temáticas clássicas dos anos 30, com muitas composições sombrias, porém lindas.

 

Artigos relacionados

Botão Voltar ao topo

Adblock detectado

Por favor, desabilite o Adblock para continuar acessando o site!