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Sega vs Nintendo – relembre dessa guerra titânica que vai virar filme – Parte 2

por Márcio Alexsandro Pacheco

Saudações caro leitor, gamer e saudosista que veio aqui conferir a segunda parte da nossa matéria especial “Sega vs Nintendo“. Se você está marcando bobeira e não sabe o que está acontecendo, CLIQUE AQUI para ler a primeira parte, que envolveu o início de carreira de ambas as empresas e a era 8 Bits. Em um breve resumo: a Nintendo dominou o mundo com seu Nintendinho em 1985, oferecendo um estilo de games que o antigo maioral, o Atari, não conseguia. Em 1987 a Sega, uma respeitada empresa de arcades/fliperamas, lança o Master System, conseguindo um sucesso na Europa e especialmente aqui no Brasil, mas mesmo assim a quilômetros de distância de poder ameaçar o reinado da poderosa Nintendo.

Mas arrogância prega peças e o inimaginável aconteceu: a Nintendo deixou de ser a número um e a Sega dominou o mercado no início dos anos 90. Como isso aconteceu é o que você vai ler neste momento, na parte final da nossa matéria, que vai abordar a guerra de consoles mais épica de todos os tempos: Mega Drive vs Super Nintendo. Certamente é a época que muitos gamers lembram com carinho e nostalgia, e quem viveu nela sabe como foi especial. Só lembrando que essa história vai virar filme, baseada no livro “Console Wars: Sega, Nintendo and the Battle that Defined a Generation“, que mostra como uma empresa relativamente desconhecida resolveu peitar a gigante do mercado de videogames caseiros, numa espécie de “Davi e Golias” dos games. Como já dito antes, a matéria vai focar, assim como no livro e provavelmente no filme, o crescimento da Sega, por isso nada de choradeira de nintendistas reclamando que falamos mais da “Big S” – mas quem sabe a gente não faz uma Parte 3 mostrando o lado da Nintendo, se vocês pedirem com carinho!

Anos 90: Sega domina o mercado dos 16 Bits

Apesar do relativo sucesso do Master System em alguns países, o aparelho não era rival para o NES nos principais mercados: EUA e Japão. Assim, Hayao Nakayama tomou uma decisão acertada (uma das poucas de sua carreira) e decidiu lançar um novo videogame, o primeiro 16 Bits da história. O projeto começou em 1987 com nomes como “MK-1601” e “Mark V” (reza a lenda que o Mark IV era o Master System ocidental, mas vai saber se não era um outro console desconhecido até hoje?), ano que marcava um novo e forte competidor no mercado japonês: o PC-Engine da NEC – que fazia bem mais sucesso do que o Master System, mas não ao ponto de ameaçar o NES.

A empresa baseou a arquitetura do seu 16 Bits na já conhecida placa Sega System 16, usada em seus arcades – o Neo Geo usava uma evolução dessa placa, por isso muitos o chamam como o “primo bombadão” do Mega Drive. Aliás, as especificações dos dois são muito semelhantes, o que facilitou e acelerou o andamento do projeto. A principal diferença entre eles era a velocidade, a placa rodava a 10 MHz e o Mega Drive a 7,67 MHz (mesmo assim era muito rápido para a época). Outra grande diferença era o seu sistema de áudio, que era bem melhor nos arcades.

protótipo do Sega Mark V tinha resquícios dos designs dos Master System anteriores

A Sega aprendeu com o seu Master System e prometeu aos consumidores um console inovador. Dito e feito. Lançado em 29 de Outubro de 1988 no Japão (um pouco ofuscado por causa do lançamento de “Super Mario Bros. 3”), o console contava com um visual moderno e preto (o Nintendo era cinza), com um botão azul, controles anatômicos muito confortáveis (até hoje muito elogiados), era uma inovação e tanto, com capacidade gráfica e sonora compatíveis aos dos arcades da época, com excelentes conversões como , “Space Harrier“, “Thunder Blade“, “Ghouls ‘n Ghosts“, “Altered Beast“, “Golden Axe“, “The Revenge of Shinobi“, “Strider“, entre vários outros.

Mas, apesar do apoio da imprensa japonesa como as conceituadas revistas Famitsu e Beep!, após um ano no mercado o Mega Drive não foi capaz de agradar ao público japonês e ainda permaneceu bem distante da fama do NES e travava uma luta pelo segundo lugar com o PC-Engine. Mas se o console não teve uma carreira muito longa no seu país de origem (provavelmente pela falta de RPGs, que os japoneses amam), a história em outros países foi bem diferente, o 16 Bits dominava o mercado americano e europeu, e inclusive no Brasil, lançado pela Tec Toy, com aproximadamente 75% do mercado brasileiro.

o Mega Drive original japonês

Lançado em agosto de 1989 nos EUA com o nome de Genesis (o nome Mega Drive já estava registrado por lá) que significa “renascimento” ou “um novo começo” e com uma grande campanha agressiva de marketing, excelentes jogos sendo lançados (principalmente pela própria Sega), e finalmente a empresa contando com o apoio de algumas softhouses de renome (o que não acontecia na época do Master System), como a Konami, a CapcomHudsonTecnosoftNamco, entre outras. Nos EUA, uma parceria que rendeu muitos jogos foi com a hoje famosíssima Eletronic Arts, que atingiu no console a consagração definitiva em jogos esportivos (que aliás, os americanos adoram!).

A estratégia de lançar o Genesis rapidamente no mercado americano resultou em um domínio quase que absoluto do mercado de 16 Bits. Algo engraçado que aconteceu foi quando a Sega procurou uma nova parceria com a Atari para lançar o seu 16 Bits nos EUA, pois já estava insatisfeita com o trabalho realizado pela Tonka Toys na época. Novamente a Atari recusou (lembram da história da Nintendo né?) e decidiu focar no seu novo Atari ST, enquanto a Sega resolveu bancar o console por conta própria, que acabou virou um enorme sucesso. Certamente mais um arrependimento para a lista de más opções da Atari.

propaganda de lançamento do Sega Genesis, que trazia conversões de vários jogos de arcade da empresa como “Altered Beast”

em 1989 a Tec Toy lançou o Mega Drive no Brasil que fez um enorme sucesso

Em 1990 o console chegava na Europa pelas mãos da Virgin Mastertronic, e já aproveitando o imenso sucesso que o Master System fazia por lá, não foi nada difícil para a Sega emplacar o aparelho, que já chegava com uma enxurrada de lançamentos e tornando-se o videogame mais popular da Europa na época. Em 1991 surgia a Sega of Europe, que começou a distribuir o console e os games na região.

A Nintendo ganhava dinheiro com o seu 8 Bits, mas estava custando para embarcar nesse novo mercado e estava perdendo terreno, e pela primeira vez desde 1985, não era a líder do mercado. Teve o lançamento do Super Nintendo adiado diversas vezes e quando finalmente foi lançado, apenas no final de 1991 nos EUA, não causou grandes abalos nas vendas do Genesis, que vendia dois consoles contra um do rival.

Super Famicom e o Super Nintendo

Assim, com três anos de vantagem, ficou fácil para o Genesis superar o seu rival Super Nintendo com uma larga vantagem, e por uma boa parte dos anos 90, a Sega dominou o mercado dos 16 Bits, dando o troco na Nintendo, pois apesar do SNES ser tecnicamente mais poderoso do que o Mega, este contava com jogos bem mais carismáticos, variados e em grande quantidade (como acontecia com a Nintendo na geração 8 Bits), e suas vendas subiram ainda mais com a ajuda de um personagem azul muito curioso e simpático.

Sonicmania se espalha pelo mundo

Apesar da grande quantidade de jogos que estavam sendo lançados para o Mega Drive, alguns realmente notáveis, outros nem tanto, ainda estava faltando um game que fosse o símbolo da Sega, um jogo que mostrasse todo o poder do console, principalmente para combater a Nintendo com o seu encanador bigodudo e o recém lançado Super Famicom (lançado em 1990), que estava sendo muito comentado no Japão – região em que o console fez enorme sucesso desde o lançamento, ao contrário do Mega Drive.

Hayao Nakayama, que era um estrategista meticuloso, montou uma equipe para analisar tudo sobre o mascote da Nintendo para determinar o que o fazia famoso. Passada essa etapa, a próxima fase era criar um personagem que fosse totalmente o oposto do encanador tanto quanto possível. A chegada da Sega em solo americano era para a Nintendo como a chegada do anti-cristo, afinal ela reinava por lá sozinha há muito tempo já.

a Nintendo demorou para lançar o SNES no mercado americano, o que permitiu à Sega formar uma base sólida com o Genesis

E Nakayama sabia disso, ele já havia quebrado o monopólio da Nintendo nos EUA, agora era a vez de derrubar seu principal mascote. E a ordem era criar um personagem que fosse tudo o que o Mario não era, mas fácil de se reconhecer como o bigodudo. Muitas propostas foram apresentadas e rejeitadas. Uma proposta que chegou perto de ser aceita foi a de um americano chamado Mark Voorsanger. Sua ideia era uma dupla de aliens funks chamados “ToeJam & Earl“. Nakayama gostou da ideia e do jogo, mas tinha dois problemas: ToeJam e Earl eram tranquilos demais em suas atitudes; e segundo, eram americanos demais em sua personalidade.

Foi um esforço nobre, mas Nakayama queria um mascote que tivesse um apelo em todo o mundo. Apesar de terem sido rejeitados como mascotes, a ideia era boa demais pra se deixar de lado e o desenvolvimento do jogo tomou forma, como viemos conhecer depois e foi um grande sucesso. Enquanto isso, o executivo japonês buscava a resposta para os seus problemas. Foi quando alguém de uma das equipes de criação da Sega surgiu com uma ideia nova. Intrigado, Nakayama contactou o líder do grupo, Shinobu Toyoda, e junto com Naoto Oshima e Yuji Naka, discutiram sobre a nova ideia. Nakayama achou o que procurava. A Sega agora tinha o seu Shigeru Miyamoto.

Sonic nasceu com o objetivo de atropelar o Mario

Yuji Naka foi quem concebeu a ideia de um personagem realmente rápido e que poderia se transformar numa bola e acertar seus inimigos. Ele seria um ouriço (e não porco-espinho), e a ideia foi amadurecendo rapidamente nos dias seguintes, junto com Naoto Oshima. Ele seria azul pois era a mesma cor do logotipo da SEGA.

Como uma bola não tinha muito apelo gráfico, o ouriço acabou ganhando um “cabelo espetado” e um par de tênis de corrida vermelhos, um belo contraste com a cor azul. Um dia, Naka levou um protótipo do jogo e mostrou a seus colegas o resultado de seus esforços. Eles assistiram e ficaram espantados com a velocidade com que o ouriço corria pela tela. “Esse carinha é super-sônico“, falou um dos integrantes da equipe. Naka nunca esqueceu o comentário e “Sonic” seria agora o nome do ouriço azul.

o visual original  do famoso ouriço, era mais gordinho, pernas curtas, olhos pretos

O personagem era tudo o que Mario não era. Naka trabalhou na programação do personagem, dando a ele um ar invocado e rebelde. Seu tênis vermelho virou bônus no game e logo virou referência ao personagem. Como Sonic parecia sempre estar em movimento, Naka adicionou várias animações para enfatizar essa ideia. Se ele ficasse parado num lugar por muito tempo, o personagem olharia para a tela com um olhar impaciente e começaria a bater o pé no chão, puto da vida esperando para correr de novo.

Mas Naka não parou por aí. Cada movimento que Sonic fazia era extremamente animado – correndo, pulando, caindo, rodando. Sonic tinha várias expressões faciais para cada momento assim como os outros personagens do game. As fases eram longas, coloridas, altamente detalhadas e eram ótimas pistas, que mais lembravam uma montanha-russa, para o Sonic correr a vontade. Tudo isso ajudava para enfatizar as diferenças entre Sonic e Mario.

Em comparação com o ouriço supersônico, com um cabelo espetado “punk” e uma atitude de rebelde, o Mario não passava de um molengão (sem polêmicas mimimi, por favor, são comparações de velocidade, eu amo Mario também). Sonic era um personagem com personalidade e atitude, era um “louco” que saía correndo por aí dando porrada em todo mundo, enquanto o encanador pegava cogumelos e tinha que salvar a princesinha.

Sonic revolucionou ao mostrar um jogo com velocidades alucinantes, até então nunca feito num videogame caseiro

Sonic The Hedgehog chegava ao Mega Drive em 23 de Junho de 1991 (curiosamente saiu um mês antes nos EUA e depois no Japão – com algumas melhorias gráficas de última hora) em grande estilo e inovação, com gráficos coloridos, trilha sonora excelente, personagens carismáticos e sua principal arma: a velocidade. Fases mais rápidas do que nunca, ação e aventura com uma jogabilidade nunca vista antes, estes eram apenas alguns dos atrativos usados pela Sega para atropelar o rival bigodudo. Para maiores detalhes sobre a criação do personagem, leia aqui a História de Sonic The Hedgehog.

propaganda da Tec Toy no lançamento de Sonic no Brasil

Bem-vindo à próxima fase!

Tom Kalinske, marque esse nome, pois ele é importantíssimo na estrada do sucesso e história da Sega. Um veterano e respeitado executivo de publicidade, com fama de ser um “tubarão” muito ousado e agressivo no ramo do marketing, tomou as rédeas da empresa americana em 1990. Ele já havia trabalhado na Mattel, onde rapidamente tomou conta da publicidade da mega famosa boneca Barbie, ganhando muito dinheiro para a empresa. Kalinske também esteve diretamente envolvido com a criação, promoção e venda de “He-Man and the Masters of Universe“, onde ganhou muito experiência com propaganda de TV e marketing de produtos (lembram dos bonequinhos que eram uma febre na época?).

Eu fui até o Japão com Nakayama e vi a tecnologia do Sega Genesis. Eu vi [a tecnologia] do que viria a ser o Game Gear, e basicamente eu me apaixonei pela tecnologia. Eu realmente achava que aquele material tinha um grande potencial, então eu acabei me juntando e fui para a Sega of America. Michael Katz estava no comando, era uma empresa pequena e eu comecei revisando tudo o que eles estavam fazendo“, disse Kalinske em entrevista sobre os seus primeiros contatos com a Sega.

Tom Kalinske, o homem responsável pelo sucesso da Sega of America

Sua primeira atitude ao entrar na Sega of America foi aprender o máximo sobre a indústria de videogames. Kalinske não teve um bom início, seus funcionários não confiavam nele pois não tinha experiência no ramo de games, e muitos achavam que o antigo presidente, Katz, havia sido despedido injustamente. Ele ainda tinha o sarcástico apelido de “Ken doll“, por causa da época em que trabalhava com a Barbie, e talvez por ser conhecido de Nakayama – dá para traduzir como “bonequinho”, “fantoche”.

Ele juntou uma equipe, contratou agências de publicidade e tinha inúmeras ideias de como a Sega devia mudar seu marketing. Aos poucos foi ganhando a confiança de todos na Sega of America, ele podia não entender de videogames, mas ele aprendia rápido e era confiante, com capacidade de liderança e equilíbrio para lidar com a adversidade e tomar atitudes rápidas.

uma das propostas de Kalinske era trocar o jogo que vinha com o console de “Altered Beast” para “Sonic The Hedgehog”, além de baixar o preço do videogame

Com tudo pronto, Kalinske foi até a Sega of Japan confrontar os executivos da empresa para expor suas ideias e estratégias para sua campanha publicitária nos EUA. Começou com Nakayama questionando qual seria a estratégia para enfrentar a Nintendo. Porém, ao explicar seus planos, foi como um choque para todos os tradicionais japoneses na sala, pois o que ele queria eram mudanças extremamente radicais:

  • Um marketing agressivo para o Genesis nos EUA – Esse tipo de publicidade é praticamente inexistente no Japão, percebe-se isso claramente nas propagandas japonesas. Kalinske argumentou que o mercado americano era diferente, muito mais agressivo, e que teria que ser assim para manter aquele setor longe da Nintendo.
  • Turbinar a imagem do Genesis – A Sega era em sua essência uma companhia de arcades. Eles faziam os mais bonitos, com melhores sons, melhores gráficos e jogabilidade arcades do mercado. Essa reputação devia ser transferida ao Genesis, e apenas o transporte de velhos games de arcade para o console não era suficiente. Genesis era um videogame rápido. Um console rápido precisa de jogos rápidos. Sonic era apenas o começo. Genesis precisava de mais games como Sonic – mais rápidos e com mais personalidade do que os da Nintendo.
  • Sega devia agarrar e segurar sua nova audiência – Agora que a Sega tinha a atenção dos jovens americanos, devia tomar atitudes e propagandas voltadas especificamente para eles, estudar o comportamento dos jovens americanos para se adaptar a eles, que eram totalmente diferentes dos jovens japoneses.
  • Sega deveria baixar o preço de seus produtos – Acompanhando o tema da publicidade agressiva, Kalinske propôs duas mudanças especificas para o Genesis: a primeira era baixar o preço do console de US$200 para US$150. A segunda espantou todos os diretores presentes na sala. Kalinske disse que eles deveriam mudar o jogo “Altered Beast” pelo “Sonic The Hedgehog“, que acompanhava o console. Sonic era o título mais vendido da Sega, então segundo sua lógica, os compradores ficariam mais inclinados a comprar o sistema se Sonic viesse junto com o pacote, ao invés do “Altered Beast”. Ele disse que estariam perdendo dinheiro vendendo o jogo separadamente, mas que a popularidade do personagem poderia ajudar a aumentar as vendas do Genesis.

Vocês estão fazendo tudo errado. Vocês não podem vender o Genesis por US$ 200. Você não podem ter esse título ‘Altered Beast‘, não vai vender no Kansas. E além disso, vocês devem desenvolver software nos EUA, vocês estão dependendo muito do Japão. Vocês devem mesmo concentrar seus esforços nos EUA“, foram as palavras do executivo na época, como revelado por ele na entrevista.

Vocês estão lutando contra um competidor que tem 98% do mercado, e eles espantaram todas as outras companhias, e ninguém vai desenvolver para vocês desde que eles compreendam melhor a comunidade de third party, então nós temos que quebrar isso de alguma forma, e eu tenho algumas ideias. Uma delas é: vocês precisam fazer propaganda contra a Nintendo, tirar sarro deles. Ridicularizar a Nintendo e fazer as crianças pensarem que o NES é o videogame mais chato e desinteressante do mercado“, disse ele na reunião com a Sega.

“Genesis faz o que o Nintendo não faz” foi uma das principais propagandas anti-Nintendo da Sega of America

Não é preciso dizer que os tradicionais japoneses ficaram ultrajados com as ideias de Kalinske. Como esse americano se atrevia a dizer a eles como conduzir sua empresa! Ele não tinha experiência na indústria de games. “Eles discordaram de 100% das minhas ideias. Não concordavam com propagandas contra a Nintendo, que devíamos produzir games nos EUA, de reduzir o preço do console ou colocar nosso melhor game junto com ele“, contou. “Eu pensei na hora que aquela seria a carreira mais curta que alguém já teve!“.

Quem diabos ele achava que era pra dizer o que eles deviam fazer?! “Você está louco?“, um deles gritou. “Você quer derrubar uma companhia que tem mais de 90% do mercado com uma campanha publicitária?“. Todos os olhares se voltaram para Hayao Nakayama, que estava sentado quieto no topo da mesa, quando começou a falar: “Eu o contratei para tomar as decisões no mercado americano e europeu, então se é isso que você quer fazer, mesmo nós achando que você está louco e não concordando, vá em frente e faça”. E novamente Nakayama fez a escolha certa, pois o resto, como sabemos é história. Enquanto no Japão o Mega Drive estava bem atrás do Super Famicom, nos EUA e Europa ele era líder absoluto.

propaganda da Sega no lançamento do SNES nos EUA: “Os outros caras nem se comparam” – o Genesis na época tinha mais de 150 títulos disponíveis

A partir daquele dia, pelos próximos quatro anos, eles nunca mais interferiram em qualquer decisão que tomamos. Claro, parte disso é porque deu tudo certo! E rapidamente nós fomos de 1% para mais de 56% em participação do mercado. Em poucas palavras, foi o que aconteceu. Ao longo do caminho fizemos muitas coisas boas. Fizemos uma grande campanha publicitária com o ‘Sega Scream‘ e ‘Welcome to the Next Level‘, e, claro, sempre ridicularizando a Nintendo. Nós desenvolvemos grandes softwares nos EUA, com força nos jogos esportivos e personagens americanos, e também continuamos a vender fortemente o software japonês. Nós construímos uma equipe muito boa nos Estados Unidos, a maioria dos quais ainda estão na indústria“, relembra Kalinske.

Mas infelizmente nem tudo são flores e arco-íris. O sucesso esmagador do Genesis no ocidente, até 1994/95, acabou causando um clima nada favorável de “rixa” entre a Sega of America e a Sega of Japan. Kalinske conta que a partir de 94 os japoneses tinham um grande ressentimento pelo fracasso do Mega Drive no Japão e ciúmes da popularidade no ocidente. Kalinske conta que um amigo que trabalhava no Japão lhe disse que Nakayama detonava os executivos nas reuniões, dizendo coisas como “Como esses novatos ocidentais, que não sabem de nada, conseguem sucesso e vocês não? Nós estamos aqui há mais tempo“. A rixa aumentou, o que levou os japoneses muitas vezes a vetar projetos promissores da parte americana por pura “pirraça“.

Nakayama vs Kalinske – o sucesso do Genesis nos EUA acabou criando rixas entre a própria Sega no Japão

Um desses projetos foi um chip bastante promissor desenvolvido pela SGI (Silicon Graphics Inc), que entrou em contato com Kalinske para usá-lo em um novo videogame. O executivo gostou muito do chip e pediu para a Sega of Japan mandar um equipe de desenvolvimento e criação de hardware para os EUA dar uma olhada. Eles olharam e não gostaram e relataram uma série de problemas, como o áudio que não era bom o suficiente, o framerate que não era tão veloz, entre outras coisas. Os caras da SGI foram embora com o rabo entre as pernas, mas voltaram a trabalhar no projeto e arrumaram tudo o que os japoneses haviam criticado, e então ligaram novamente para Kalinske. Desta vez Nakayama veio com a equipe japonesa verificar o trabalho, mas a reação foi a mesma: ainda não era bom o bastante. Kalinske achou que era um grande desperdício, mas seguia ordens, e então disse ao pessoal do SGI que procurassem outras empresas, pois a Sega não estava interessada. E assim eles o fizeram, e o chip promissor acabou fazendo parte da próxima geração de produtos da Nintendo: o N64. Aposto que essa muita gente nem sabia, não é?

a Sega of Japan vetou as ideias de Kalinske e acabou dando origem ao N64 com o chip SGI RCP 62,5 MHz 64-bit

Mas a coisa não para por aí. Outra história interessantíssima diz respeito a Sony. Nos anos 90 a Sega of America e a Sony tinham uma excelente parceria, que culminou em muitos jogos, especialmente para o Sega CD, que gastava uma grana alta, “provavelmente mais do que nós” diz Kalinske, na produção de games FMV (Full Motion Video – games interativos que eram filmes com atores reais, o avô do QTE atual) para o sistema. “Havia esse maravilhoso esforço colaborativo entre as duas empresas“, lembra Kalinske. Certo dia, Mickey Schulhof, ex CEO da Sony of America, propôs algo mais ambicioso, já que as duas companhias se davam tão bem: usar seu conhecimento aprendido no Sega CD para criar uma nova plataforma que usasse o CD digital como mídia.

Kalinske levou a proposta para a Sega of Japan e disse a eles que essa era uma nova plataforma ideal e que seria um trabalho em conjunto com a Sony. Porém Nakayama recusou a proposta no ato, sem ao menos dar uma chance. O japonês teria dito na época “Essa é uma ideia estúpida, a Sony não sabe fabricar hardware. Eles também não entendem nada de software. Por que nós deveríamos querer isso?”. Segundo Kalinske, isso aconteceu antes da Sony fazer a proposta de parceria com a Nintendo, história essa que todo mundo conhece, e que também rejeitou a parceria. A partir daí a Sony resolveu ela mesma arriscar. E todo mundo sabe o que aconteceu após isso…

a Sega e a Nintendo fizeram suas contribuições para o surgimento do PlayStation

Kalinske conta que dentro da Nintendo também havia desavenças com a sede japonesa e americana. “Eu sei de histórias sobre como eles [a Nintendo of Japan] estavam furiosos com as operações da Nintendo of America, permitindo que fizéssemos o sucesso que alcançamos“. Ele fala também de como a Big N atacava a Sega por causa de “jogos violentos“, e como ele procurou professores e sociólogos para criar uma classificação por faixa etária, e quando a Sega propôs o seu projeto, a Nintendo foi contra, dizendo “Nós não vamos usar isso!Você está louco? Não precisamos de classificação etária“. E hoje nós sabemos como as coisas funcionam.

O segredo do sucesso do Mega Drive no ocidente foi, em parte, por causa da arrogância da Nintendo. “Eles [a Nintendo] eram arrogantes e não acreditavam, no Japão, que nós faríamos todo aquele sucesso nos EUA, por um longo tempo eles não acreditavam que seríamos tão bem sucedidos como nós fomos“. Ele ainda conta que a Big Ntratava muito mal as suas third parties, com mãos de ferro, e dizia a eles que se produzissem games para a Sega, seriam punidos. Havia algumas poucas exceções, e claro havia a grande parceria com a Eletronic Arts na categoria de esportes, o que os colocou em evidência, assim como o Sega Genesis. Era uma parceria benéfica para ambos“.

A partir daí as patetadas de Nakayama vieram uma atrás da outra. Em 1995 ele tomou uma decisão, que para muitos estudiosos do assunto, foi o maior erro tático da Sega que lhe custou bilhões: a empresa ia parar com o suporte do Mega Drive/Genesis para se concentrar apenas no Saturn, seu novo videogame de 32 Bits. Dessa maneira a Sega entregava de bandeja o mercado de 16 Bits para a Nintendo, que não perdeu tempo e fez a festa, e ao mesmo tempo matava milhões de consumidores que possuíam o console e um mercado ainda crescente nos EUA.

em 1995 a Sega parou com o suporte ao 16 Bits para focar no Saturn, que foi um fracasso de vendas contra o PlayStation

Certamente uma das maiores burradas que a Sega já fez em sua história (e olha que não foram poucas). Foi nessa época que a Nintendo começou a virar o jogo, principalmente por causa do lançamento de “Donkey Kong Country“, que fez um sucesso fenomenal. Kalinske acha que, se a Sega não os tivesse “abandonado“, o Genesis poderia ainda aguentar firme no mercado por mais uns dois ou três anos, mesmo com os novos videogames. “Eu sentia que estávamos apressando muito o Saturn. Nós não tínhamos o software, o preço não estava certo e eu sentia que nós devíamos ficar com o Genesis. Eu penso que os fãs que gostavam de videogames iriam apreciar que nós ainda estávamos produzindo grandes coisas nos 16 Bits“. Infelizmente a história foi outra.

Sega vs Nintendo: a guerra de marketing

Como vimos, o marketing agressivo foi um dos grandes responsáveis pela ascensão da Sega no ocidente, geralmente mostrando a empresa com um estilo mais “cool” e “jovem“, ao contrário da tradicional e chata Nintendo. As propagandas em revistas, Outdoors e principalmente na TV, passavam a imagem de quem comprava os produtos Sega eram os jovens descolados, bonitos e bem aceitos na sociedade, enquanto os da Nintendo eram os bobões desprovidos de neurônios. E a empresa americana não tinha dó, era só cacetada na rival por todos os lados.

Tudo começou com a série de comerciais “Genesis Does What Nintendon’t” (Genesis faz o que o Nintendo não [faz]), primeiramente comparando com o NES, para depois comparar com o SNES, geralmente focalizando sua principal vantagem: seu processador veloz. A velocidade de 7,67 Mhz do Genesis/Mega Drive contra os 3,57 Mhz  do SNES realmente faziam grande diferença em jogos de plataforma com muitas informações na tela, nos jogos espaciais e jogos esportivos. Mesmo em jogos de luta, como “Street Fighter II“, as versões para a plataforma da Sega tinham uma jogabilidade bem mais rápida e afiada. Sonic por exemplo, jamais rodaria num SNES virgem (sem truques ou chips para turbinar) com a mesma velocidade no Mega Drive.

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a Sega usava celebridades para atrair os jovens (e adultos) para os seus games, como o Rei do Pop com o seu “Moonwalker

Os marketeiros da Sega inclusive “inventaram” uma tecnologia, o “Blast Processing“, para enfatizar como o seu 16 Bits era muito mais veloz do que o rival. Apesar da picaretagem da empresa, o termo pegou e era muito usado nas propagandas. Em termos de criação e marketing, foi simplesmente genial: um nome curto, gostoso de se falar, fácil de se lembrar e que mostra a vantagem do aparelho.

Mas minha preferida mesmo é o jingle (música de comercial) criada para a série “Genesis Does What Nintendon’t“. Ela simplesmente gruda mais do que chicletes no cabelão da sua irmã, e uma vez que você a escute, nunca mais vai esquece-la. O cara que criou esse jingle é simplesmente um gênio, e claro, havia várias versões do comercial com diferentes games. Uma pena que a Tec Toy não trouxe esses comerciais para o Brasil, seria genial ligar a TV e escutar a versão em português de “O Mega Drive FAZ…“.

Além do mais, os vídeos contavam com nomes de peso norte-americanos da época, como o campeão de boxe James Buster Douglas  (na época um jogo em resposta do Mike Tyson’s Punch-Out da Nintendo – detalhe que Douglas havia recentemente derrotado o ‘imbatível’ Mike Tyson e a Sega aproveitou para usar isso em suas propagandas), o idolatrado (ao menos nos EUAjogador de futebol americano Joe Montana e o cantor Michael Jackson eram algumas das figurinhas conhecidas que “zoavam” a Nintendo em propagandas da Sega. Confiram algumas abaixo:

Genesis Does What Nintendon’t

Blast Processing/Sega Scream

Sonic vs Super Mario World (vendedor tenta empurrar o SNES, que é mais caro, mas o cliente só tem olhos para o Genesis e o Sonic)

Game Gear vs Game Boyoutros consoles da empresa também entravam na dança, como o Game Gear

Esses são apenas alguns dos comerciais anti-Nintendo produzidos pela Sega, há várias outras pérolas perdidas por aí. Kalisnke criou outas ideias de marketing de sucesso, como o famoso Sega Scream, quando alguém virava para a tela e gritava “Sega!” – algo que também ficava na cabeça. Slogans criativos com o nome da empresa como “To be this good takes AGES, to be this good takes SEGA (Para ser BOA assim leva anos, para ser boa assim leva SEGA – em português ela perde todo o sentido e criatividade).

A Sega também investia em patrocínio em todos os tipos de esportes, eventos de música e outros produtos, elevando o mercado de videogame a “uma nova fase“, como era o nome do slogan criado por Kalinske “Welcome to the next level“, que realmente era bem inteligente, pois estava ligado a “passar de uma fase” em um jogo, como também significava “chegar a outro nível de geração“, comprando os produtos Sega.

as propagandas da série “Welcome to the Next Level” eram super criativas, como essa de “Streets of Rage 2

Por volta de 1996 o mercado de 16 Bits dava os seus últimos suspiros até a chegada avassaladora do PlayStation, que ironicamente foi recusado pelas duas empresa maiorais e acabou sendo o seu cruel algoz, enterrando de vez os antigos consoles. Tom Kalinske pediu as contas da Sega of America em 1996 e infelizmente não saiu como entrou. Muitos culpavam (principalmente os japoneses) o empresário pela ascensão do SNES, mesmo seu amigo Nakayama, acabou comprando o sentimento anti-Kalinske, tirando todo o poder que ele tinha pouco a pouco, até que um dia ele não passava de uma marionete recebendo ordens dos japoneses. Ele saiu e levou parte da sua equipe junto. Até mesmo David Rose, um dos fundadores da Sega, deixou a companhia como forma de suporte a Kalinske.

Victor Ireland, presidente da Working Designs, uma produtora que dava excelente suporte aos games do Sega CD, como os jogos da série “Lunar Silver Star“, disse tempos depois: “Eu sempre achei que o Tom era um rosto público fantástico para a Sega of America. Ele era articulado e sabia como se comportar em entrevistas de TV. Quando ele saiu, definitivamente foi uma grande perda para a Sega“.

Tom Kalinske  foi embora, certamente bastante ressentido com as atitudes dos patrões da empresa que ajudou a colocar no topo

Os três anos seguintes a empresa sofreu um declínio meteórico com o fracasso dos seus videogames Saturn e Dreamcast, que eram excelentes produtos, mas que por má administração da empresa, nunca conseguiram emplacar com o público, e em 2001 veio a fatídica notícia: a empresa ia desistir da produção de hardware para investir apenas no software, inclusive para plataformas das antigas rivais.

Conclusão

Essa foi a primeira grande guerra dos videogames, quem presenciou aquela época certamente lembra-se da Sega vs Nintendo e a luta entre as suas mascotes nas capas das revistas, numa época em que videogame ainda era mais entretenimento do que dinheiro, e não essa coisa ridícula de hoje em dia em que um videogame custa o valor de um carro usado e os games com preços de aparelhos de eletrônicos.

Para muitos foi essa a época dos anos dourados da história dos videogames, onde quem ganhou mesmo com essa “guerra” foram os gamemaníacos, que tiveram jogos cada vez melhores, divertidos e sofisticados.Com certeza foi o console de maior sucesso já fabricado pela Sega (com aproximadamente 40 milhões de unidades vendidos em todo mundo), mesmo a sua semente de linhagem tecnológica como o Saturn e Dreamcast não chegaram perto da popularidade do bom e velho Mega Drive, e apesar de hoje apenas existir na memória dos fãs, seu legado continua hoje a percorrer todas as plataformas de videogame atuais, o Sonic já completou 20 anos e continua correndo nas telas dos sistemas da Sony, Nintendo e Microsoft, gracas ao Mega Drive, que para muitos jogadores e fãs, é considerado simplesmente o melhor console da história.

Claro, o Super Nintendo também fez história e conquistou milhares de fãs em todo o mundo, e apesar de não ter tido um lançamento muito bom nos EUA, a Nintendo não ficou simplesmente parada vendo a Sega vender o seu Genesis (apesar de não ter um marketing agressivo como a rival, as vezes ela dava umas alfinetadinhas), e também lançava dezenas de excelentes títulos para o seu 16 Bits. A coisa melhorou para ela quando a Capcom lançou “Street Fighter II: World Warriors“, até então exclusivo para o SNES (a versão do Mega Drive viria alguns anos depois, com fim do contrato de exclusividade da Nintendo).

A batalha ficou mais acirrada, as duas empresas praticamente dividam o mercado de 16 Bits, mas com uma leve vantagem para a Sega, que contra-atacou com sequências de seus títulos mais famosos, como “Sonic The Hedgehog 2“, “Streets of Rage 2” e franquias pra lá de criativas e originais como “Toe Jam & Earl“, “Ecco: The Dolphin” e “Comix Zone“. A Nintendo só virou o jogo mesmo quando “Donkey Kong Country” foi lançado, na mesma época em que a Sega abandonou o Genesis/MegaDrive pelo Saturn. E quem acabou ganhando com tudo isso fomos nós, jogadores, que ganhávamos jogos cada vez melhores em ambas as plataformas, devido à concorrência ferrenha das duas companhias.

E aqui terminamos nossa matéria especial, esperamos que vocês tenham curtido essa viagem no tempo para relembrar essa época e guerra apoteótica, em que a Sega com o seu MegaDrive/Genesis praticamente dominou o mercado mundial de 16 Bits de 1988 até 1994/95 (menos no Japão). Leia, curta e compartilhe com os seus amigos, para que mais pessoas conheçam a história e que fiquem aguardando ansiosamente pela sua versão cinematográfica. Os nomes imponrtantes estão aí, os fatos, os acontecimentos, os altos e baixos, o sucesso, a decadência… se bem feito, com certeza será um filmão! E se você quiser saber outros detalhes sobre essa época, leia as seguintes matérias:

Márcio Pacheco

Márcio Alexsandro Pacheco - Jornalista de games, cultura pop e nerdices em geral. Me add nas redes sociais (links abaixo):

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