Análises

Tron: Evolution

Em 1982 um dos filmes mais revolucionários da história ganha as telas dos cinemas norte-americanos. Pela primeira vez um filme se sustentaria visualmente, e conceitualmente, em computação gráfica. Assim foi Tron, da Disney, que devido a seu visual único e sua temática distinta se tornou Cult ao longo dos anos que se seguiram.

Apesar de ter “tudo a ver” com o mundo dos videogames, Tron nunca ganhou um game de real impacto na indústria do entretenimento eletrônico, o que sempre foi, particularmente falando, um enorme desperdício. Mas aparentemente isso estaria para mudar.

Em 2008 a própria Disney anuncia uma sequência direta do clássico de 1982, a se estrear em 2010. E o fez em grande estilo. Tron: Legacy, como foi nomeclaturado o novo filme, teve um orçamento de aproximadamente 200 milhões de dólares, um merchandising pesadíssimo, uma trilha sonora alucinante composta por Daft Punk, nada menos do que autoridades mundiais em música eletrônica. Poderia continuar citando aqui uma lista enorme sobre como o a nova cria dos estúdios Disney é superlativa em praticamente todos os aspectos. Como não poderia deixar de ser, um game baseado no filme seria algo praticamente consequencial.

Tron: Evolution, como foi chamado o game, não se tornaria um game que tão somente seguiria fielmente a história de Legacy, ao contrário, seria um prólogo.

Em vídeos liberados antes do lançamento do game, tudo indicava que o estigma de games “atrelados” a filmes não serem bons estaria para mudar, afinal de contas, tudo parecia também superlativo quando o assunto era Tron: Evolution.

Se o game é tudo o que poderia ser, se é tudo o que era prometido pela a Disney e a produtora Propaganda Games, é o que me proponho a expor aqui.

Welcome to the Grid

Tron Evolution, ao contrário de se situar na confortável posição de somente contar a história do filme no qual se baseia, vai além, apresentando o prelúdio de tudo o que ocorre em Tron Legacy. Louvável é essa atitude da Disney, pois essa interatividade é a cara do mundo de Tron. De quebra, é possível afirmar que tal interação entre game e filme foi muito bem sucedida, uma vez que, verdadeiramente, o game amplia a experiência do filme, explicando muita coisa que no filme não passam de relances ou mesmo conversas aparentemente sem importância naquele dado momento.

No game o jogador acompanha Anon, um programa de monitoramento da Grid. Anon terá a missão, inicialmente, de analisar e extinguir uma ameaça viral que começa a se instalar na Grid, ademais, será peça fundamental na sobrevivência de Kevin Flynn e do último programa ISO, após o golpe aplicado por Clu para tomar para si o controle da Grid e continuar a criar o sistema perfeito. Tudo o acima citado tem influência direta em todos os acontecimentos de Tron Legacy.

Tron Evolution parte do principio de que todos os seus usuários já possuem pré-conhecimento da história de Tron, não se importando em contextualizar o jogador que sequer sabe o que é Tron na história. Ora, o filme original é de 1982, com certeza 70% dos usuários de Tron Evolution sequer sabem que esse filme existe. O mínimo que a equipe de produção deveria ter feito era ter incluso um bom resumo dos acontecimentos de Tron no game, mesmo que com cenas trabalhadas para se assemelharem ao atual design do mundo de Tron, já que a geração de hoje torceria o nariz facilmente para o visual antigo da película de 1982.

Buraco de enredo a parte, passado esse estranhamento inicial, tudo vai se encaixando muito bem à nível de enredo, e o jogador não mais se sentirá um completo peixe fora d´água. Algumas cenas não são muito bem explícitas, como o momento em que Clu revela suas “reais intenções” para Flynn, mas isso é proposital, pois o filme mostra tudo o que ocorreu em forma de Flashback. Tais momentos, se estranhos analisando-os individualmente, somente reforçam a intrínseca interação entre game e filme se analisados após a apreciação de ambos.

Na verdade, o enredo de Evolution é melhor do que o de Legacy, apesar da dependência de se conhecer ambos para a compreensão total da história.

O visual do game segue, obviamente, o novo design do mundo virtual de Tron, o que se mostra uma faca de dois gumes.

É notável o trabalho de extrema qualidade na criação conceitual do design da Grid para Legacy. Tenha o espectador gostado ou não do filme, é unânime que quem o assistiu o achou muito belo. A fotografia do filme é lindíssima, apesar de tudo ter sido feito em CGi. Os artistas visuais que trabalharam no filme criaram um fantástico mundo, regido por luzes de neon, para abarcar a Grid. Todo esse conceito visual foi transposto pra Evolution, assim sendo, é fabuloso comtemplar a Grid em toda sua beleza durante a exploração da Grid. Os personagens, inimigos ou não, seguem o mesmo esquema dos cenários, também cheios de luzes neon e personalidade visual única.

No entanto, enquanto no filme não há como nos cansarmos do visual da Grid, no game a história é outra. Apesar de belos, essa genial simplicidade dos cenários construídos basicamente de luzes satura. Ora, passamos o game inteiro explorando a Grid, assim sendo, passamos o game inteiro explorando cenários cheios de luzes neon, enfrentando sempre obstáculos similares, ou seja, depois de certo tempo de jogatina, temos uma constante impressão de “dejavu”. A construção dos mesmos também não ajuda, resumindo a exploração dos mesmos a sequências lineares de progressão, sempre se utilizando das mesmas habilidades “chupadas” de Prince of Persia para seguir em frente. E tome caminhar na parede e executar saltos enormes e perigosos.

Os personagens, apesar de não muito abundantes ao longo da jornada, são tão carismáticos quando em um filme poderiam o ser, entretanto, há diferenças abismais de qualidade na caracterização entre eles. Enquanto a fisionomia de Jeff Bridges é bem similar a do ator de carne e osso em sua jovial época, a caracterização da atriz Olivia Wilde é horrível. Conseguiram deixar uma belíssima atriz mais feia do que a Raimunda. Tal diferença de qualidade é praticamente inexplicável, talvez, tendo somente como plausível explicação, a pressão que a equipe de produção deve ter sofrido para que o game fosse lançado antes do filme.

Os inimigos são pouquíssimo variados, ou mesmo inspirados, o que deixa as batalhas sempre com a mesma cara dos últimos combates. Claro que os cenários, que sempre parecem os mesmos, ajudam muito nesse processo.

Todos esses problemas seriam passáveis, caso o game tivesse uma boa jogabilidade, se aproveitando bem do material base que possuía. Com certeza você pensou em como seria visceral atuarmos em boas sequências de ação pilotando uma Light Cycle. Mas repare bem no tempo verbal das frases acima. Apesar de todo o “auê” feito sobre as batalhas corpo a corpo, e sobre a utilização das Light Cycles, Tron Evolution tem justamente na jogabilidade suas maiores falhas.

Nos momentos de exploração e progressão na Grid, saltos que deveriam ser simples, podem se tornar enormes dores de cabeça, em especial até que aprendamos a saltar de uma parede a outra, ou mesmo de uma parede a uma plataforma. Mortes virão e virão, fazendo com o que jogador se sinta o maior Mané com o joystick na mão. Isso sem contar com a câmera, que em certos momentos lhe fará ter lembranças de Sonic Adventure, sempre focando o que não deve e atrapalhando saltos importantes.

As batalhas, apesar de serem bem movimentadas e fluentes, sofrem além do fator repetitivo já mencionado, com um sistema de mira que beira o ridículo, sempre travando-se inicialmente em um inimigo que não é o mais próximo e com isso, travando a câmera nesse inimigo. Não serão poucas as vezes que não acertará devidamente um inimigo que está na sua cara por conta do sistema de mira. E tome mortes por conta disso. Como ponto positivo, as batalhas são bem animadas, tendo-se de balancear bem ataques, realizado por intermédio de pequenos combos, e recuperação de energia e vida, se utilizando do próprio cenário para isso. Ademais, a estética dos ataques de Anon é belíssima, uma pena o sistema como um todo ser tão atabalhoado.

Quanto às fases em que usamos as Light Cycles, elas são a representação do maior dos desperdícios de Tron Evolution. Não podemos ativá-las a bel prazer, sendo obrigados a usá-las apenas quando o game obriga o jogador a tal. Fora isso, essas fases se resumem em sequências monótonas em que somente devemos nos desviar de obstáculos, enquanto o próprio game progride automaticamente com a Cycle. É claro que podemos acelerar e frear o moto, entretanto isso pouco adiciona a essas fases. Também é possível atirar o disco em inimigos em outra cycles, mas isso também não é nada que faça diferença na monotonia geral que esses estágios proporcionam. Um enorme desperdício!

O fundo do poço mesmo se dá nos momentos em que temos a oportunidade de usarmos “tanques de guerra” na Grid. Os controles são imprecisos, instáveis e quase aleatórios. Um verdadeiro martírio.

É possível realizar upgrades, ganhando assim novas habilidades, mas isso não chega nem perto de salvar a horrível jogabilidade do game. Não chega perto de salvar Evolution nesse aspecto também o fato de o personagem principal possuir boa fluência em seus movimentos, seja em batalha, seja em exploração pela Grid.

O sopro de ar fresco se dá nas competições online, modalidade essa bem mais estruturada do que o single player e que proporciona uma boa experiência se utilizando do mundo de Tron. Em uma arena, com até mais nove competidores, podemos nos utilizar, quando bem entendermos, de batalhas corpo a corpo, ou mesmo ativar as Light Cycles, em batalhas em que o objetivo é destruir os adversários. Dessa arena, e somente nessa arena, temos a verdadeira experiência Tron que Evolution pode proporcionar. É delicioso fazer uma curva de 90° com uma Light Cycle, surpreendendo um adversário e o destruindo dado o rastro de luz deixado pela moto após a manobra.

Infelizmente, um game que se propõe a ser um complemento, a nível de enredo, de uma história maior, não pode ser analisado em primeira instância por sua experiência online. Assim sendo, a jogabilidade no modo single player de Tron Evolution não permite que esse seja um bom game para um jogador que não seja um fã inveterado do universo Tron.

A trilha sonora do game, assim como os efeitos sonoros, seguem o mesmo padrão dos usados em Tron Legacy, ou seja, muito bons em todos os sentidos. Destaque supremo aqui para a trilha sonora, que mesmo não sendo composta por Daft Punk, conta com músicas eletrônicas da alta qualidade, o que se adéqua completamente ao clima que o mundo de Tron demanda. Infelizmente, esse é o único ponto em que Tron Evolution brilha sem problemas,mas não exatamente por suas próprias pernas.

O trabalho de dublagem foi bem feito, mas nada espetacular. Destaque aqui para as participações dos próprios atores, que dublaram suas contrapartes virtuais em Tron Evolution.

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Bem medido e bem pesado, Tron Evolution mal chega a ser uma experiência regular, pois o mau aproveitamento do material base fantástico que a equipe de produção tinha em mãos, somados à péssima jogabilidade em todo e qualquer instância do game, fazem de Evolution em game dispensável, apesar toda a pompa que a própria Disney deu a seu lançamento. Mesmo a boa experiência online não supera grandes games feitos com o foco na jogatina multiplayer, então, ainda que Tron Evolution proporcione um experiência online interessante, não dá para recomendá-lo tão somente por esse aspecto.

Eduardo Farnezi

De volta como contribuidor freelancer do site GameHall, um dos fundadores do não mais existente blog Canto Gamer, fundador do blog Gamerniaco e ainda atuante nos projetos do grupo Game Champz e Agência Joystick. Gamer por paixão, cinéfilo por vocação, leitor de mangás e HQs por criação e nerd pela somatória dos fatores. Acredita que os únicos possíveis cenários de apocalipse são Zumbis e Skynet e não sai para noitadas por medo do que Segata Sanshiro pode fazer se encontrá-lo.

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