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Análise | Unicorn Overlord brilha com bons personagens e estratégia de montão

O Nintendo 64 foi um dos consoles da minha infância e me lembro de ir diversas vezes com meu pai em uma feira de usados da cidade para comprar ou trocar cartuchos. Em uma destas idas topei com um cartucho de nome engraçado, Ogre Battle, e decidi arriscar. Era um RPG de estratégia com design bem peculiar e logo nas primeiras horas me fisgou e acabou sendo um dos jogos mais marcantes desta época da minha vida. Desde então, nem mesmo Fire Emblem conseguiu me passar a mesma sensação que senti ao comandar aquelas dezenas de personagens por centenas de horas na época e jogos deste tipo foram ficando cada vez mais raros.

Unicorn Overlord – recém-lançado pela Atlus e desenvolvido pela brilhante Vanillaware – bebe muito da fonte de Ogre Battle, sendo quase um sucessor espiritual. O mais legal, no entanto, é que conseguiu me fazer voltar a esse período nostálgico de décadas atrás sem abrir mão de uma identidade própria e ser um modernizador do gênero. 

Foco nos personagens

A história de Unicorn Overlord é basicamente o que se espera de um jogo do gênero, com um conflito político que envolve várias nações e personagens de cada uma delas. Alain é o nosso protagonista, um príncipe que foi separado da mãe, a rainha guerreira de Cornia, na noite em que Zenoria, um recém-fundado império de vilões e traidores, tomou o castelo de assalto e assumiu o controle do continente.

A campanha começa 10 anos após esse dia e mostra como todos os outros continentes deste mundo também foram subjugados por Zenoria no período. Com seu mestre sempre ao lado e amigos que compartilham da sua causa, Alain cresceu sendo treinado de forma rígida para o dia em que assumiria o posto de comandante da resistência e tentaria tomar de volta seu reino.

No controle de um exército da liberdade, somos convidados pela Vanillaware para libertar cinco continentes. O grande foco aqui está nos personagens. Cada local visitado e batalha vencida geralmente apresenta alguém novo, que tem todo um arco, incluindo relações com membros do nosso exército e os vilões de Zenoria. Após concluído esse arco, o personagem geralmente entra para o seu exército e pode ser utilizado nas batalhas que virão.

Sem ter o pé no chão, o mundo aqui é bem mágico e o conflito logo deixa de focar só nas tretas políticas e começa a inserir ameaças sobrenaturais e criaturas exóticas. O resultado é sempre no mínimo decente e tirando a personalidade plana de Alain, sempre puro ao extremo e com poucos conflitos internos e evolução significante, a história é recheada de momentos legais, seja pelo lado dramático ou pelos alívios cômicos que me arrancaram algumas sinceras risadas.

As interações entre os personagens dão vida e brilho a cada um deles. Ao lutarem no mesmo batalhão ou participar de jantares em conjunto, vão adquirindo afinidade. Aqueles que têm alguma ligação com o outro na narrativa participam de algumas cutscenes curtinhas ao atingir esses níveis de afinidade, mostrando um momento engraçado de interação, ou contando mais sobre a história de cada um. Isso cria uma ligação muito legal entre os diversos núcleos da gente do outro lado da tela e logo nos pegamos torcendo para alguns deles e se preocupando com seus rumos na campanha. 

Os gráficos são belíssimos, com uma direção de arte muito competente, o que também ajuda demais a contar a história. No mundo aberto e na movimentação dentro das batalhas, cada personagem conta com um bonequinho em pixel art belíssimo. Já nas cutscenes e em diálogos entra a arte 2D mais tradicional de anime, que é igualmente impressionante em detalhes, cores e com animações muito convincentes.

O que pega aqui é que todo o texto só está disponível em inglês, sem localização para o português. Como é um jogo pesado nessa parte,  quem não domina o idioma terá dificuldade em se conectar, mas vale muito a pena tentar, nem que seja com o bom e velho dicionário do lado.

Batalhas épicas, mas sem muito desafio

As batalhas em Unicorn Overlord são todas táticas, mas bem diferentes do que você imagina. Embora parte da ação seja em tempo real, como selecionar as tropas e definir para onde cada uma vai no campo de batalha, o embate com o inimigo é feito de forma “automática”, onde tudo que foi definido antes, como equipamento, classe dos personagens da tropa e o posicionamento deles no grid define o resultado final. A princípio é de se estranhar mesmo, mas logo você estará vidrado em escolher ataques, equipamentos e posicionamento de cada um dos membros que compõem o seu exército.

Mas antes da ação rolar, há sempre um período “entre missões” no mundo aberto do jogo, onde, no controle de Alain, é possível andar livremente pelo continente e coletar recursos, conversar com alguns personagens e definir os caminhos do exército, liberando cidades e avançando na história no processo. Essa parte é bem legal por gerar um respiro entre as batalhas mais longas e dar uma descansada no combate, para que ele não fique tão cansativo. Há várias pequenas atividades, como minerar, entregar recursos para cidades evoluírem, procurar itens escondidos, comprar armas e itens e até liberar pontos secretos com batalhas mais rápidas e mais estratégias de envio de tropas para vencer antes do tempo acabar.

O preparo das tropas antes das batalhas também é super importante. Cada batalhão tem um líder que conta com uma habilidade especial no campo, como por exemplo cavalgar, dar suporte com magia, flechas ou cura para batalhões ao lado, quebrar barricadas rapidamente e muito mais. Além desse líder, com as melhorias feitas com o tempo, é possível colocar mais quatro personagens nesse grupo, que ficam dispostos em duas fileiras.

Combinar as quase 50 classes de forma a criar um batalhão competente para uma atividade específica em campo é o grande desafio do jogo. Há muita profundidade aqui, sendo possível escolher equipamentos, quais ataques serão usados, alguns só ativados em situações específicas e ainda deixar comandos definidos em casos ainda mais específicos, como por exemplo quando alguém for envenenado ou dependendo da formação do inimigo.

Com tudo bem configurado, é preciso ir liberando as tropas aos poucos e vencendo tropas inimigas para conseguir enviar ainda mais batalhões para o campo. Quando um batalhão encontra um inimigo, é iniciada uma batalha até que todo mundo gaste todas as suas ações, onde você não controla os personagens, mas pode assistir o desenrolar da sua estratégia em tempo real, com várias implicações caso vença ou não a batalha, eliminando ou não todo o batalhão inimigo.

A princípio as partidas são simples, mas com o tempo vão sendo inseridas diversas camadas de complexidade, como locais onde batalhões de suporte podem ficar entocados para ajudar qualquer outro amigo que esteja lutando nas redondezas, e mapas cada vez mais complexos, com perigos e oportunidades para cada tipo de classe. 

É preciso prestar atenção para saber se sua tropa terá ou não vantagem contra a do inimigo. Cavalaria é forte contra infantaria, mas péssimos contra inimigos aéreos. Há variações dentro da própria infantaria, como assassinos que são velozes e esquivam da maior parte dos ataques e magos focados em causar efeitos negativos. Isso se repete para cada tipo de personagem e gera uma série de oportunidades para se explorar durante cada fase. 

Como o jogo é bem longo, já que para fazer tudo passa facilmente das 70 horas, em alguns momentos essas batalhas vão cansando um pouco, mas há sempre novidades que trazem algum frescor. Há personagens e classes novas em cada continente, biomas diferentes e situações inusitadas, como tempestades de areia no deserto que diminuem a visão e a movimentação das tropas. Eu fiquei sempre sedento para ver o próximo momento, o que seria adicionado de novo e sempre fui recompensado de alguma forma, exatamente como anos atrás no Nintendo 64.

Outro probleminha é a falta de desafio. Unicorn Overlord está mais para uma ótima porta de entrada para o gênero do que de fato um jogo focado nos jogadores hardcore da minha época, até porque somos bem poucos desde sempre. Somente no modo mais difícil, onde há uma limitação no uso de itens durante as fases e inimigos mais inteligentes, é que há algum desafio e, mesmo assim, muito tranquilo para qualquer um que tenha entendido as regras da jogabilidade, não exigindo gerenciamento dos mínimos detalhes das unidades e bem focado em divertir.

A trilha sonora é meu destaque final, já que é épica e também bebe muito da fonte de Ogre Battle, mas com suas próprias ideias aqui e ali. E faz todo o sentido, já que Mitsuhiro Kaneda, compositor da trilha, também trabalhou em Tactics Ogre e deve ser um baita fã da série. 

Conclusão

Unicorn Overlord é aquele tesouro escondido que surge vez ou outra em cada geração e traz de volta um gênero adormecido e que muita gente não conhece. Sua jogabilidade tática é gratificante, seus personagens são super carismáticos e a quantidade de conteúdo de qualidade faz valer a pena o tempo e dinheiro investido. Para quem gosta de RPGs, mesmo sem ter experiência com esse nicho, vale a pena dar uma chance.

Prós

  • Direção de arte incrível
  • Batalhas táticas cheias de profundidade e momentos épicos
  • Personagens carismáticos e apresentados aos montes durante toda a jornada
  • Muitas opções de customização das tropas
  • Trilha sonora marcante e poderosa
  • Boa porta de entrada para iniciantes no gênero

Contras

  • Pouco desafio mesmo na dificuldade mais avançada
  • Cai na repetição das batalhas em alguns momentos
  • Personagem principal sem muita personalidade e evolução

Nota: 9,0/10,0

Uma cópia do jogo para PS5 foi fornecida pela Atlus para a elaboração desta análise

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