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Análise | Final Fantasy XVI é biografia épica do protagonista Clive Rosfield

Final Fantasy XVI traz um novo rumo para a franquia. Com décadas de história, a série conta com dezenas de jogos entre os títulos principais e spin-offs, muita experimentação e diversas mudanças de geração para geração, mas, ainda assim, esse capítulo é o que vai mais além e introduz tom, temas, combate, sistemas, design e muito mais para rumos onde nem navios voadores ou chocobos jamais foram.

Embora pareça divisivo (e será entre uma parte dos fãs mais antigos de Final Fantasy), olhando o todo e ignorando o que cada um acha que a franquia tem que ser, o jogo por si só é incrível, mesmo com imperfeições em algumas frentes. Quando Clive vive seus momentos mais agudos nessa jornada, não tenha dúvidas, Final Fantasy também passa por alguns dos seus momentos mais memoráveis, mesmo tendo com tanta bagagem.

A incrível jornada de Clive Rosfield

Como vem virando tradição na franquia, Final Fantasy XVI narra eventos que se passam em diversos momentos diferentes da linha temporal narrada, neste caso, fases da vida do protagonista: Clive Rosfield. Com bom trânsito entre os saltos temporais e flashbacks, a narrativa conta não só os principais feitos do herói desde a sua juventude, como também dá bom plano de fundo para todas as suas motivações nestas idas e vindas. No início, vemos os conflitos e relações do personagem com a própria família, um berço real do reino de Rosária e, com reviravoltas e o amadurecimento natural pela idade, vemos como ele se transforma em um herói por completo, tornando-se um revolucionário do seu tempo que lutou por uma causa de justiça social, pela humanidade como seres livres e também por aqueles que amou durante a vida.

No decorrer da aventura, todos os personagens que cercam Clive também ganham o devido holofote. Nomes como o clássico Cid, Jill e, claro, seu companheiro canino Torgal, vão tendo papel importante não só no desenvolvimento do herói, como também seus próprios arcos contados em eventos interessantes e às vezes tristes que rolam no decorrer da jornada. Muitos destes personagens coadjuvantes me conquistaram ou marcaram de alguma forma, inclusive os ótimos vilões, que um após o outro vão se mostrando cada vez mais interessantes. É bom ressaltar que a trama não escapa ilesa de algumas barrigadas, com o desenvolvimento acelerado para certos personagens ocorrendo especialmente em missões secundárias, mas nunca se mostrou ser algo que não me deixasse curioso para os próximos eventos e desfechos. O final é incrível, doloroso e talvez o mais emocionante dentre todos os 16 jogos da franquia principal.

Embora algumas inspirações fiquem óbvias, em especial a série da HBO, Game of Thrones, os roteiristas conseguiram trilhar seu próprio caminho e criar um mundo único e cheio de nuances, principalmente quando foca no ambiente político de Valhisthea – continente composto por duas ilhas repletas de nações que vivem guerreando por recursos e poder. No que diz respeito a jogos da própria franquia, Final Fantasy XVI é diferente de quase todos e com apenas lembranças por força da história estabelecida com um e outro. No entanto, o jogo da franquia que mais veio na minha mente durante toda a campanha foi, por incrível que pareça, Final Fantasy Tactics.

Entre capítulos e antes de avanços relevantes na história, quase sempre há uma explicação mostrando os movimentos de cada nação em um mapa, dando boa noção do contexto para o jogador. As cutscenes – com animações faciais incríveis e convincentes – por várias vezes também me lembraram o spin-off tático da franquia no que diz respeito aos diálogos e o tom mais maduro. Até no design e estrutura do jogo, com “fases” marcadas por espadas cruzadas no mapa e a própria forma de escolher pontinhos no mapa para viajar, me fizeram ficar imaginando alguns momentos em pixel art. Sendo um dos meus favoritos da franquia, neste ponto eu não poderia estar mais satisfeito.

Temas espinhosos e sistema incrível de exposição da história

Com tanto foco na política local e com um protagonista que vai da elite da época para o a base da pirâmide social, Final Fantasy XVI não teme tocar em temas espinhosos o tempo todo. Escravidão, liberdades individuais, meritocracia, conflito de classes, diversas filosofias e visões de mundo, incluindo muita moralidade cinza para os vilões e vários personagens que cercam o protagonista. Foi um alívio ver que a decisão por uma abordagem mais “sombria” não foi apenas adicionar sangue e cenas de sexo aqui e ali. Esses dois elementos ajudam a dar o tom em várias cenas, mas passam longe de ser o foco principal, já que a história fornece a sensação de opressão no mundo e insegurança para todos os personagens por si só.

Ao mesmo tempo, o jogo não perde as raízes no sentido de embates mágicos épicos e cheios de efeitos especiais grandiosos. Embora na parte política e diálogos possa lembrar uma abordagem de fantasia mais pé no chão e menos fantástica, quando os Dominantes e seus Eikons entram em campo toda aquele foco em cenas repletas de ação, magia e lutas épicas com invocações de monstros gigantes que você espera da franquia estão lá. Os cristais continuam sendo a base da história também, mesmo que o objetivo agora seja destruí-los. No fim, mesmo sendo ousado a ponto de mexer nas partes mais sensíveis da saga e tentar trilhar um caminho diferente, levando o jogo para um novo público, ainda se trata de um Final Fantasy na essência, digno do seu número na franquia principal.

Com tanto foco narrativo, personagens e nações, o jogo poderia ter ficado confuso muito facilmente, mas há um sistema aqui que é simplesmente incrível e agora desejo ver em todos os jogos de narrativa mais complexa. Em qualquer momento do jogo, incluindo no meio das cutscenes, é possível acessar um menu com tópicos da história que explicam o que está sendo discutido ali. O vilão citou um personagem que você não lembra por nome? Basta abrir esse menu de forma rápida e clicar no ícone com nome e imagem do personagem que provavelmente estará na tela. O texto é sempre enxuto e direto, o que possibilita ter um entendimento rápido sem perder a conexão com a cutscene. Até mesmo no final de tudo, logo após terminar a campanha, há pequenos textos explicando conceitos chaves, inclusive por trás dos planos do vilão. Em determinado momento da história, há um NPC no esconderijo que fica responsável por explicar também o contexto político. Em uma linha temporal com um diagrama visual bem intuitivo, é possível navegar ano a ano pelas guerras e eventos do mundo, vendo como cada personagem teve participação, quase como uma wiki muito organizada e sem enrolações. Ninguém vai ficar confuso em Final Fantasy XVI e todos os outros RPGs massivos deveriam tentar algo parecido.

Combate vai muito além de esmagar botões

Não seria um Final Fantasy também se não tivesse toda uma polêmica por conta da escolha do sistema de combate. É incrível como a franquia sempre muda nesse aspecto, mesmo quando era por turnos, lembra também do o sistema de gambits de Final Fantasy XII? O combate já cheio de ação de Final Fantasy XV e, claro, tem o MMO Final Fantasy XIV. Mesmo assim, todo lançamento da franquia é reduzido ao mesmo “Turno versus Ação”.

Aqui a escolha foi pela ação, para tentar alcançar um público maior mesmo, e o resultado é incrível, sendo com certeza um dos melhores combates do gênero. Mesmo no tutorial, a quantidade de opções que Clive tem de habilidades e combos é surpreendente e tudo pode ser executado de forma muito fluida e recompensadora. À medida em que o tempo de jogo vai passando, nosso herói vai absorvendo o poder de mais Eikons e aprendendo mais habilidades, mas a jogabilidade continuou intuitiva e as novas oportunidades deixaram o combate ainda mais expressivo. São tantas combinações possíveis, que eu terminei o jogo com mais de 60 horas, fiz todas as sidequests possíveis e tenho certeza que ainda não explorei metade do potencial do combate.

Muito mais do que apenas pressionar botões, o jogo recompensa montar builds diferentes para cada tipo de inimigo, se vai lutar contra grupos ou somente chefes. Cada Eikon possui um elemento e explorar fraquezas dos monstros é o caminho para vitórias fáceis. Distribuir seus pontos é outro desafio interessante, já que melhorar uma habilidade geralmente custa muito, e dá sempre vontade de aprender outra só para ver como ela funciona. Ainda bem que é possível sempre recomeçar a build de habilidades a qualquer momento e tentar outras combinações. A parte de RPG do jogo sofreu muito por conta dessa abordagem, é verdade, mas falaremos disso já já.

As batalhas de Eikon são o ponto alto do jogo, sempre com várias fases, música épica e gameplay diferente. Clive evoca e controla Ifrit e parte para cima dos Dominantes que possuem outras invocações clássicas da franquia, como Odin e Titã. Essas batalhas apresentam quase que mini games próprios e acompanham momentos épicos com animações e reviravoltas incríveis. A luta contra Bahamut agora está entre as melhores de todos os tempos para mim por conta do áudio e visuais. Outras lembram embates de animes, com trocas de socos rápidas e colisão de magias como nos melhores momentos de Dragon Ball. É bem verdade que a recorrência ao uso de QTEs para finalizar cada fase das lutas é estranha e ultrapassada, mas são momentos pequenos diante da grandiosidade do todo.

Só não é perfeito porque o hardware do PS5 limita sua capacidade. Um jogo de ação nesses moldes seria muito mais fluido e divertido com a responsividade dos 60 quadros por segundo. Final Fantasy XVI até conta com um modo performance, mas é basicamente um modo com a taxa de quadros solta e oscilante, sem nunca conseguir ficar travada. As quedas causam lentidão mesmo ao girar a câmera e nas batalhas de Eikon deixam a experiência beirando o injogavel. Por conta disso, sem dúvidas, opte pelo modo resolução e os 30 FPS mais estáveis.

Concerto de Masayoshi Soken

O combate seria o ponto maior do jogo, mesmo com a ótima história, não fosse a trilha sonora incrível. Eu não consigo ver nenhum outro jogo tendo algo deste nível no ano, até porque poucos tiveram até hoje. Eu não joguei Final Fantasy XIV, então não conhecia o trabalho de Masayoshi Soken, mas acredito que em alguns anos vão discutir se o feito dele aqui não foi o melhor da franquia. Sim, acima inclusive do que Uematsu fez de forma brilhante também em outros jogos da saga.

As batalhas de Eikon são um verdadeiro concerto. A forma como ele brinca com os temas clássicos e adiciona drama ou emoções diversas, seja com acordes de órgão ou tambores, só perdem para as composições próprias onde ele abusa de corais. O mais impressionante é como tudo é bem sincronizado com as fases e momentos do combate, o tema muda à medida que o jogador vai detonando a vida dos chefes e tudo de maneira muito natural. É de arrepiar mesmo! Não existe um momento sequer que lembro do jogo agora onde a música não é a primeira coisa que vem a cabeça, da exploração ao combate, dos momentos tristes e dramáticos da história até os mais alegres.

Aspecto de RPG é o maior ponto fraco

Infelizmente, nem tudo são flores. O foco na ação e o nível de polimento que existe nas cutscenes e na história fizeram o time abrir mão de aprofundar outras áreas e, como eu temia, os elementos de RPG aqui são o ponto mais fraco e, em vários momentos, parecem até atrapalhar a dinâmica.

A parte de itens, nível e atributos é extremamente simplista e esquecível. Há apenas a espada de duas mãos para usar e todos os upgrades dela são lineares com o momento da história, sem nenhum efeito especial diferente que não o incremento de dois atributos do personagem. Não há nenhum momento que o jogador terá de optar por uma espada ou outra, é sempre a melhor do momento em atributo criada direto no ferreiro. Poucas são encontradas em tesouros no mundo e seguem essa mesma lógica. Nada de elemento especial na lâmina, alguma melhoria diferente em combate, com tudo ficando por conta da árvore de habilidades de um jogo de ação. Chega a ser cômico elas terem nível de raridade por cor.

O resto dos equipamentos são cinto, colares e um anel. Sim, os itens que são sempre os mais sem graça de uma build. Os efeitos são melhorias simples em habilidades da árvore, como remoção de tempo de recarga, ou dano adicional. Toda essa simplicidade esbarra na exploração que em áreas simples contam com tesouros que tem na maioria das vezes itens para um sistema de criação que não tem profundidade. Gil? A moeda do jogo fica acumulada no inventário e serve praticamente apenas para comprar músicas que tocam na caixa de som da base.

Lidar com efeitos negativos, um marco da série, também inexiste. Nada de sono, veneno, silenciar, ou coisa do tipo. Por conta disso, seus itens para comprar durante toda a jornada são: dois tipos de poção, dois tipos de tônico e dois itens que aumentam a recuperação da barra de especial.

O grupo não tem nenhuma escolha do jogador e os membros são totalmente controlados por IA, com comportamento simples e sem conexão com as habilidades de Clive. A exceção é o Torgal, mas ele não aprende nada novo que o jogador possa customizar. Também não há calabouços, outro marco da franquia, já que a progressão dos eventos são em fases lineares no estilo de Devil May Cry, com ondas de inimigos onde o objetivo é ter muito estilo ao lutar. É algo super divertido, mas somente para quem gosta de jogos desse tipo, o que não necessariamente representa o núcleo dos fãs da saga.

No fim das contas, mesmo quando comparado com jogos que têm poucos elementos de RPG, como os JRPGs clássicos que Naoki Yoshida, produtor do jogo, quer se afastar, Final Fantasy XVI parece carente de opções para o jogador que gosta do gênero onde a franquia é uma das mais relevantes. Meu medo com a guinada para a ação sempre foi a franquia se prostrar para as tendências ocidentais e se tornar mais um jogo de ação e aventura padrão e sem profundidade. Por conta de várias experimentações aqui e alguns elementos do combate, ainda não é o caso, mas deixa o medo ainda mais latente para os próximos capítulos.

Conclusão

Final Fantasy XVI não tem medo de inovar dentro da franquia e foca na história e combate de ação para entregar um épico impressionante em várias frentes. A trilha sonora é, talvez, uma das melhores já feitas, e alguns momentos e chefes são inesquecíveis. Imperdível para fãs da saga e de vídeo games no geral, mesmo que seu principal defeito seja ser muito pobre exatamente nos elementos do gênero onde surgiu: o de RPG.

Prós

  • Animações e gráficos impressionantes
  • Batalhas de Eikon são épicas e marcantes
  • Combate cheio de possibilidades e super fluido
  • Trilha sonora incrível eleva todos os momentos
  • Narrativa tem temas importantes e desenvolve bem seus personagens

Contras

  • Exploração é pouco recompensadora
  • Inimigos ficam repetitivos em alguns momentos
  • Elementos de RPG são planos, simples e descartáveis
  • Modo performance beira o injogável

Nota: 9,0/10,0

Uma cópia do jogo foi fornecida pela Square Enix para a elaboração desta análise.

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