Entrevista

Entrevista | “Games podem tratar sintomas de depressão e ansiedade”, diz o psicólogo nerd André Junqueira

Aproveitando o mês de Setembro Amarelo, decidimos entrevistar o psicólogo André Junqueira, criador do canal “Psicologia Nerd” que, como o nome sugere, trabalha a saúde mental das pessoas geeks. Viciado em videogames e RPG desde a infância, ele trabalha há 20 anos com o bem-estar das pessoas e há 10 é formado em psicologia, explicando também que procura trabalhar uma  vertente mais positiva dentro dessa área.

Por que falar de psicologia especificamente para os “nerds”?

André Junqueira: Primeiro porque eu me identifico muito com esse público, e porque existe uma demanda escancarada desprezada clamando por saúde mental e emocional. Há quase 40 anos eu sou um nerd bem tradicional em algumas coisas. Desde criança, jogo videogames, RPG, card e boardgames, curto revistas e livros de fantasia e super-heróis, adoro tecnologia, ficção científica e terror. E acima de tudo, amo aprender. Acredito que esse talvez seja um dos meus super-poderes!

De modo geral, creio que os nerds ainda não sabem se comunicar, se sentem sozinhos, muitos são imaturos e se relacionam de forma consumista com seus hobbies, sofrendo muitas vezes em silêncio.

Existe um mito de que o nerd não pode adoecer ou sofrer emocionalmente, por ser muito “inteligente”. O que avacalha a situação é o estereótipo do nerd como pessoa inteligente, racional, genial, excêntrica, inabalável, pois atrapalha seu crescimento, evita com que procure se desenvolver e sufoca o desejo de se tornar um ser humano melhor.

Além disso, ainda há um preconceito em relação à cultura nerd, mesmo que bem menos do que no passado. Esse preconceito sempre aparece nas notícias, quando ocorre algum crime o primeiro culpado ainda é sempre algum hobby nerd, como o videogame ou rpg. Ninguém relaciona um crime a uma outra atividade, como futebol, por exemplo, mas com os games ainda é uma realidade.

Os games podem tratar de sintomas mentais como depressão e ansiedade?

André Junqueira: Com certeza! Dependendo da forma como forem utilizados, os jogos podem ser tão clinicamente eficientes quanto remédios. Os jogos podem melhorar os níveis cognitivos e de atenção, raciocínio lógico, autoestima, pensamento crítico, melhoria da comunicação e abaixar os níveis de ansiedade e depressão em alguns casos.

Recentemente a a FDA (órgão americano equivalente à Anvisa) autorizou que médicos receitem o game EndeavorRX para crianças como parte do tratamento para transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH).

Quais jogos, dentre os “mainstreams”, você crê que aborda o tema de saúde mental da forma certa?

André Junqueira: Os meus favoritos para puxar uma conversa sobre saúde emocional são o jogo Life is Strange, da Square Enix, e o Hellblade: Senua’s Sacrifice, do estúdio Ninja Theory. Também posso citar o The Last of Us, Red Dead Redemption 2, Limbo, Persona 5, Celeste, e o meu queridos Journey e Shadow of the Colossus (deu pra perceber que eu sou meio Sonysta né, risos).

O Life is Strange em especial aborda muitos temas importantes presentes em nosso cotidiano, como amadurecimento, família, adoecimento, depressão, suicídio, bullying, machismo, eutanásia, dependência química, dentre outros diversos temas. Tudo com o jogador no papel de uma personagem que é fácil de se identificar. Situações cotidianas e ao mesmo tempo angustiantes.

Há uma situação de suicídio ao longo do game que pouca gente sabe que é evitável, assim como na vida real, todos são evitáveis.

Você acredita que todo suicídio pode ser mesmo evitável? Mesmo em pessoas que tem transtornos mentais muito severos? 

André Junqueira: Sim todo suicídio pode ser evitável. Esse é o tema da campanha de conscientização da importância da saúde mental e prevenção dos suicídios Setembro Amarelo. A depressão é um fator de risco para o suicídio, mas ainda assim pode ser evitado.

De acordo com os dados do CVV (Centro de Valorização da Vida, serviço voluntário que realiza apoio emocional e prevenção do suicídio), 80% das pessoas dão avisos de ideação suicida, antes de tentarem se matar. Não é para chamar atenção, mas um pedido por ajuda. Infelizmente, pela falta de educação emocional (e isso é responsabilidade dos profissionais de saúde) nós não temos acesso a esse autoconhecimento, então o pior pode acontecer, e infelizmente acontece muito.

Você falou que os nerds, em muitos casos, não tem maturidade emocional e tem uma relação problemática com consumismo , pode desenvolver porque muitos nerds são assim?

André Junqueira: Isso vale para todo mundo. Os nerds em específico, pois o mercado se adaptou de uma forma a explorar esse segmento, leia-se “cadeira gamer” e outros produtos diferenciados apenas a caráter de exploração. Então, pela falta de educação emocional (novamente) os nerds são alvo fácil desse apelo ao consumismo e acumulação compulsiva.

Particularmente, tenho minha coleção completa de Zombicide e dezenas de LEGOs. Morro de vontade de comprar um PS5, apesar de não ter necessidade alguma. Mas acredito que eu tenha consciência sobre essa questão de consumismo, então não sofro por isso. Mas infelizmente muita gente sofre um tipo de ansiedade quando não consegue acompanhar as tendências e novidades do mercado nerd, a chamada FOMO, fear of missing out, ou medo de ficar por fora. A minha responsabilidade profissional como psicólogo é justamente identificar e alertar as pessoas sobre esse risco, e oferecer educação emocional para que não aconteça.

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